quinta-feira, 21 de julho de 2011

Admissão

     Ontem estive falando de recuperação para internos de uma comunidade terapêutica e focalizei muito o primeiro passo: a questão da admissão de minha impotência perante às drogas e aos meus defeitos de caráter.
   Para quem acaba de chegar em uma instituição como essa, é um passo polêmico admitir que não dá mais para viver com droga e ser impotente perante ela. Quem quer realmente um tratamento tem que começar por isto ou estará fadado a apenas dar um tempo em uma instituição para, ao sair dali, voltar a usar novamente.
     Custou-me muito a entender quando a literatura de NA afirma que não temos responsabilidade por nossa doença, mas por nossa recuperação. Hoje está claro. Tenho pré-disposição para desenvolver a dependência química e isto não é culpa minha. No entanto, foi de inteira responsabilidade minha o uso de drogas e o parar de usá-las também. É a mesma coisa do diabetes. Não tenho culpa de ser diabético, mas a responsabilidade acerca do tratamento é minha. Se eu quiser me entupir de doces, a culpa é minha. Da mesma forma é com as drogas: se for usar é porque eu quero. Não há mais espaço, depois que se conhece a programação de NA, para desculpas esfarrapadas para se usar drogas. Na verdade, durante anos, fui covarde e me escondi atrás de desculpas. Não tive a hombridade suficiente para assumir que usava e usava porque queria. Mentia para mim mesmo e, a ver isto hoje, percebo que muitas dores poderim ter sido evitadas se tivesse sido honesto primeiramente comigo.
     Não quero aqui, com isto,  parecer uma superfortaleza ou exemplo de recuperação. Sou uma pessoa comum, já disse, com problemas, defeitos e limitações. Apenas entendo melhor o que aconteceu comigo, minhas fraquezas e resolvi tomar uma postura diferente do que estava acostumado. Só por hoje, quero estar consciente das minhas atitudes e das consequencias delas na minha vida.

sexta-feira, 15 de julho de 2011

Recuperação e recaída 2

     Meu amigo J. está preso. Soube hoje da notícia, ao sair do supermercado. Ironicamente, conversava ontem com minha esposa sobre ele e disse que seria bom que ele fosse preso por vários motivos: 1º para dar um freio nessa onda de destruição que estava provocando nele e em sua família; 2º a fim de evitar que fosse morto e 3º e principal, para que caisse na real e veja pelo que ele trocou a sua vida.
     Nesses três dias, estava na universidade resolvendo um problema quando a irmã de meu amigo J. me ligou: ela e a mãe estavam em um shopping quando o viram. Ela e afastou para me avisar. Larguei tudo imediatamente e fui ao encontro deles. Mal entro no carro, ela me liga novamente, dizendo que ele fugira e deixara bem claro que não votaria a uma comunidade terapêutica para fazer tratamento. Aí o telefonema hoje: preso com 14 gramas de crack e uma certa quantidade de cocaína.
     Penando bem sobre o que aconteceu, meu amigo J. nunca fez o primeiro passo: admitir sua impotência. Ele, como muitos de nós, justificava seu uso em fatores externos: tudo mentira. Agora não tinha desculpas. Foi por isto que ele não atendeu meus telefonemas do dia que foi visto pela mãe e irmã até ser preso: porque era ficar frente a frente com a verdade de que foi usar porque quis e sabia das consequencias.
     Convesei com a irmã dele e ela está de acordo com uma idéia que passei: deixá-lo um pouco só. Se a família se mobilizar agora e tiá-lo da cadeia, ele vai voltar à mesma merda. É preciso que ele sinta a realidade bater sem estar anestesiado pela droga, que "caia a ficha" do que ele fez e trocou em sua vida. Agora, ele quer apenas sair da cadeia, não é o momento mais propício de ajudá-lo, pois, o que é ajuda para uns vai na verdade é prejudicá-lo. É preciso que ele entenda que precisa de ajuda para mudar de vida, que peça por esta ajuda e aí estaremos todos com ele.
     Não sei o que acontecerá agora, mas espero que ele entenda enfim "o fundo do poço". Como escutei de um padre, quando estamos no fundo do poço e tudo está escuro e nos sentimos só, basta olharmos para cima e veremos que Deus está lá para nos ajudar.

quinta-feira, 14 de julho de 2011

Para reflexão

O ARTISTA


     Uma noite nasceu-lhe na alma o desejo de esculpir a estátua do Prazer que dura um instante e saiu pelo mundo em busca do bronze, porque só podia imaginar sua obra em bronze.
     Mas todo o bronze do mundo tinha desaparecido e em nenhuma parte da terra podia encontrar-se bronze algum, exceto o da estátua da Dor que dura a vida inteira.
     Ora, fora precisamente ele mesmo quem, com suas próprias mãos, havia modelado aquela estátua, colocando-a no túmulo do único ser a quem amou em sua vida. Ergueu, pois, no túmulo criatura morta a quem tanto amara aquela estátua, que era criação sua, para que fosse um sinal do amor do homem que é imortal e um símbolo da dor  humana que dura para sempre. E no mundo inteiro não havia outro bronze senão o bronze daquela estátua.
     E tomou a estátua que havia modelado, colocou-a em um grande forno e entregou-a ao fogo.
     E com o bronze da estátua da Dor que dura a vida inteira, modelou uma estátua do Prazer que dura um instante.

Oscar Wilde - Poemas em Prosa

terça-feira, 12 de julho de 2011

Hoje vou procurar ser uma pessoa melhor

     Nós, adictos, somos pessoas que muitas vezes nos deixamos levar por nossos defeitos de caráter. No meu caso, a impaciência é um deles, que acho particulamente terrível. Como tenho estado impaciente nestes últimos dias. Não há um motivo específico. Apenas estou. 
     Me recordo que a impaciência e a ignorância foram comortamentos que eu utilizava para afastar as pessoas de mim quando eu queria usar drogas; que era uma foma de me isolar em minhas convicções e me fechar para não escutar o outro; a postura adotada para não assumir meus erros e sempre, assim, estar com a verdade.
     Não posso me deixar levar pela ignorância mais uma vez. Na minha adicção ativa, ela foi me afastando de tudo e todos que eu gostava. Recordo-me que quando estava em tratamento, não apenas reconheci este fator como amarguei profundamente a ausência dos meus filhos. Só aprendemos a valorizar quando perdemos.
     Tenho todos os motivos do mundo para não repitir meus erros, para manter-me firme em minhas novas convicções, para ser feliz. Às vezes isto parece ser tão repetitivo, mas é preciso que seja. A dor provocada ou vivida é facilmente esquecida. Aí, surge alguém aqui dentro que acha que pode cometer os mesmos erros. Neste sentido, foi oportuna eu ter assistido a entrevista com Casagrande no Faustão. Vi-a  por casualidade, pois na hora estava saindo para visitar minha mãe. Foi uma atitude louvável a dele, pois ele poderia ter optado ficar no seu canto, sem se expor novamente.  Seu caso só reforça, como colocou-me um amigo, que esta problemática não escolhe classe social ou nível de escolarização e ajuda a quebrar a estigmatização de que dependente químico é "o drogado pé de chinelo". Foi bom podê-lo assistir,. E experiência com as drogas é universal. A dor causada em nós é a mesma, só muda o nome e o endereço. Só por hoje não vou me esquecer que tenho que cuidar de minha doença, mas que, também, tenho que cuidar de mim e de minha família com todo amor que puder dispensar.

quarta-feira, 6 de julho de 2011

Recuperação e recaída




     Quando estava na Fazenda da Paz, conheci uma pessoa especial, J. Me recordo bem de quando o vi pela primeira vez, ele vinha em cima de um caminhão que é usado na Fazenda para transportes de objetos. Naquela tarde, ele havia aparecido no Escritório da Fazenda e imediatamente, mesmo sem carro na ocasião para levá-lo, ele foi encaminhado no caminhão.
     Conheci uma pessoa destroçada, conflituosa e com um sentimento de culpa terrível por sua mulher ter perdido seu bebê e que tentava esconder todas estas mágoas atrás de uma pessoa prestativa e aconselhadora.
     Foram muitos momentos em que não só compartilhava minhas angústias e expectativas como também ele compartilhava um pouco de sua estória. Aos poucos, vi alguém que chegou destruido e começava a ser restaurado na sua fé e no seu amor próprio.
     Mal ele terminou seu tratamento e saiu, ganhou sua família e um baque terrível, a doença e  a morte de seu pai. Vários de nós, seus amigos, estávamos lá, amparando-o em sua dor e dizendo-lhe que tivesse fé e se fortalecesse em Deus.
     Aos poucos, após esse baque, tudo foi sendo ajustado em sua vida: família, emprego, namorada, carro,... No entanto, ele recaiu recentemente.
     Estava neste final de semana viajando quando recebi, por mensagem de celular, a notícia. Ele já estava desaparecido há alguns dias. As notícias eram desencontradas. Ao final, após se dissipar um pouco da confusão, as coisas começaram a clarear: ele recebera uma certa quantia do seguro da morte de seu pai e fez besteira. A pergunta fica: por que, se aparentemente ele tinha tudo?
     Na verdade, não tinha. Algo faltou. Cheguei na segunda agora e de lá até hoje, eu e algumas pessoas temos nos mobilizado no intuito de encontrá-lo  e reconduzi-lo ao tratamento. No entanto, ele está escorregadio. Na própria segunda falei com a mãe dele e ela disse que o havia encontrado e ele falara que voltaria para casa. No íntimo sabia que ele não voltaria, como de fato ocorreu.
      A questão é não é de quem ele está fugindo por conta de sua vergonha, mas do que, nele, meu amigo foge. A droga é uma fuga acima de tudo. O que o angustiou? Em que ele alicerçou sua recuperação? Até onde, de fato, depois de mais de dez anos indo de uma comunidade terapêutica para outra, ele irá perder tudo outra vez? Este tipo de situação só me faz entender que para cair, basta estar de pé; que o que fizemos ontem, não nos basta para ficarmos limpos hoje. Tenho rezado muito por ele, para que Deus toque seu coração e ele tenha um instante de lucidez e busque ajuda.

terça-feira, 5 de julho de 2011

Não faço mais que a minha obrigação

     Algumas pessoas, ao saberem sobre minha adicção e tratamento, têm me cumprimentado pelo fato de "estar limpo". Quero colocar aqui algo que, por mais que pareça grosseiro, não  o é: não faço mais que a minha obrigação em estar limpo. Digo isto por uma questão bem simples: não era meu dever entrar nas drogas, me afundar no sofrimento, me destruir e acabar com tudo e todos ao meu redor. Fiz a coisa errada e agora, ao fazer o movimento contrário, estou apenas voltando para o curso natural das coisas.
     Não sou herói ou vilão. Sou uma pessoa comum, com problemas, defeitos, virtudes, qualidades e limitações. Não sou tolo em afirmar que o fato de ter passado por um tratamento e conhecido a programação dos 12 Passos de N.A. fez com que eu tivesse removido de mim meus defeitos de caráter. A diferença é que hoje tenho maior conhecimento deles e sei a dimensão do que eles podem provocar em minha vida se me deixar arrastar por eles.
     Portanto, não fiz este blog para me mostrar um vencedor ou algo parecido, mas especialmente para trazer uma mensagem, uma mensagem de esperança: HÁ VIDA APÓS AS DROGAS. É possível ter uma vida limpa e digna sim. Por isto, tenho compartilhado minhas experiências, tanto de meu período de adicção como de recuperação, mostrando minhas expectativas, anseios, decpeções e, principalmente, que a vida continua em meio a tudo isto e que não posso hoje usar nada destes fatores como justificativa para um uso de droga. Se eu usar, é porque quero, não porque aconteceu isto ou aquilo; no entanto, "só por hoje", não quero usar, mas ter meu dia e, ao final dele, não ter feito nada que envergonhe Deus, a mim e aos meus familiares.