A GESTAÇÃO DE UMA NOVA VIDA
(Leia antes as partes I, II, III e IV deste texto postadas abaixo)
Frederico Burlamaqui
(fredkareka@hotmail.com)
AS LIÇÕES PARA O
RENASCIMENTO
Aqui procurarei de maneira razoável, devido à
abrangência do assunto, demonstrar o que aprendi sobre mim, sobre minha doença
e sobre meus comportamentos e maneiras de encarar a vida no passado.
Essencialmente, adictos têm características em comum,
a que chamamos defeitos de caráter. São desonestos, manipuladores, compulsivos,
obsessivos, sempre buscam prazer imediato, rebeldes, imaturos, se sentem
vítimas, são grandiosos, egocêntricos, desleixados, procrastinadores, medrosos,
beligerantes, têm extrema baixa autoestima, sentem uma necessidade imensa de
controlar, não se aceitam e por consequência os outros, tendem ao isolamento, são
mestres na conversa fiada (promessas irreais). Estes são apenas poucos,
acredite, dos defeitos de caráter presentes em cada um de nós adictos.
O primeiro passo é definir e identificar cada um dos
defeitos de caráter. Onde antes não sabíamos por que furtávamos, por exemplo,
encontramos a resposta: porque somos desonestos (o que se classifica no mesmo
nível da mentira e da manipulação, por exemplo). Observe que os defeitos estão
interligados. Mais um exemplo: se busco a aceitação, a aprovação dos outros, é basicamente
porque não aceito e não sei lidar com minha baixa autoestima, o que
curiosamente pode externar-se como grandiosidade. São infinitas as
possibilidades de interligação entre os defeitos, acredito que pôde perceber.
Importante mencionar: adictos não são pessoas necessariamente ruins ou más. Na
verdade, são extremamente inteligentes e perspicazes, se conseguem trabalhar
seus lados negativos e permitem que seu lado bom prospere.
Conhecer os porquês é apenas pequena parte do
processo. O mais complexo, creio, é pôr as mudanças em prática. São anos e anos
de comportamentos distorcidos arraigados. Seis meses, que é o sugerido onde
estive em tratamento, é muito pouco tempo para mudar completamente. Devemos
buscar constantemente ir contra nossa natureza adictiva, e fazer o que
definimos como “movimento contrário”, ou seja, se quero procrastinar, farei de
imediato; se meu desejo é mentir, direi a verdade; se quero guardar rancor,
para fazer mais um inimigo, irei falar sobre meus sentimentos para resolvê-los;
se quero me isolar, buscarei companhia. Sempre procurarei falar de mim,
assumindo responsabilidade. Isso é apenas um aspecto da recuperação, mas me
estenderia à exaustão explanando os demais. A ideia é que deve ser uma busca
incessante e destemida, até começarmos a automatizar e incorporar esses novos
comportamentos. Requer coragem, paciência, boa vontade e humildade para
reconhecer que se precisa de ajuda nesse processo. Demanda uma busca espiritual
sincera e honesta, do contrário, não seremos bem-sucedidos.
Você pode estar se perguntando: “mas e as drogas,
onde se enquadram?” Elas sempre estiveram presentes em tudo o que foi mostrado
até agora. São todos esses comportamentos que levam o adicto a usar. Todos
estes defeitos fazem com que um vazio gigantesco resida no nosso interior, um
vazio tamanho que precisa ser preenchido por alguma coisa, no caso as drogas,
mas pode ser qualquer coisa: sexo, comida, jogos, furto, medicamentos, enfim.
As drogas não são o maior inimigo do adicto, por incrível que pareça,
são os seus padrões de comportamento e suas maneiras de pensar. As drogas são
apenas uma consequência, a ponta do iceberg,
a cereja do bolo.
Note que sendo assim, muitas pessoas têm
comportamentos aditivos, mas não usam drogas. O lado bom é que qualquer pessoa
pode pôr essas mudanças em ação. Tenho plena convicção que você conhece pelo
menos uma pessoa assim. O que me entristece é o fato de não terem a mesma boa
sorte que eu, de ir tão fundo para precisar enxergar isso. É isso mesmo: sou
extremamente grato por ter passado por tudo isso, porque do contrário, talvez
ainda vivesse na escuridão.
Nenhum comentário:
Postar um comentário