terça-feira, 11 de outubro de 2011

“Non est maior defectum quan ignoratio” Parte VI

AS LIÇÕES PARA O RENASCIMENTO



(Leia antes as partes I, II, III, IV e V deste texto postadas abaixo) 


Frederico Burlamaqui
(fredkareka@hotmail.com)

                Aqui procurarei de maneira razoável, devido à abrangência do assunto, demonstrar o que aprendi sobre mim, sobre minha doença e sobre meus comportamentos e maneiras de encarar a vida no passado.
                Essencialmente, adictos têm características em comum, a que chamamos defeitos de caráter. São desonestos, manipuladores, compulsivos, obsessivos, sempre buscam prazer imediato, rebeldes, imaturos, se sentem vítimas, são grandiosos, egocêntricos, desleixados, procrastinadores, medrosos, beligerantes, têm extrema baixa autoestima, sentem uma necessidade imensa de controlar, não se aceitam e por consequência os outros, tendem ao isolamento, são mestres na conversa fiada (promessas irreais). Estes são apenas poucos, acredite, dos defeitos de caráter presentes em cada um de nós adictos.
                O primeiro passo é definir e identificar cada um dos defeitos de caráter. Onde antes não sabíamos por que furtávamos, por exemplo, encontramos a resposta: porque somos desonestos (o que se classifica no mesmo nível da mentira e da manipulação, por exemplo). Observe que os defeitos estão interligados. Mais um exemplo: se busco a aceitação, a aprovação dos outros, é basicamente porque não aceito e não sei lidar com minha baixa autoestima, o que curiosamente pode externar-se como grandiosidade. São infinitas as possibilidades de interligação entre os defeitos, acredito que pôde perceber. Importante mencionar: adictos não são pessoas necessariamente ruins ou más. Na verdade, são extremamente inteligentes e perspicazes, se conseguem trabalhar seus lados negativos e permitem que seu lado bom prospere.
                Conhecer os porquês é apenas pequena parte do processo. O mais complexo, creio, é pôr as mudanças em prática. São anos e anos de comportamentos distorcidos arraigados. Seis meses, que é o sugerido onde estive em tratamento, é muito pouco tempo para mudar completamente. Devemos buscar constantemente ir contra nossa natureza adictiva, e fazer o que definimos como “movimento contrário”, ou seja, se quero procrastinar, farei de imediato; se meu desejo é mentir, direi a verdade; se quero guardar rancor, para fazer mais um inimigo, irei falar sobre meus sentimentos para resolvê-los; se quero me isolar, buscarei companhia. Sempre procurarei falar de mim, assumindo responsabilidade. Isso é apenas um aspecto da recuperação, mas me estenderia à exaustão explanando os demais. A ideia é que deve ser uma busca incessante e destemida, até começarmos a automatizar e incorporar esses novos comportamentos. Requer coragem, paciência, boa vontade e humildade para reconhecer que se precisa de ajuda nesse processo. Demanda uma busca espiritual sincera e honesta, do contrário, não seremos bem-sucedidos.
                Você pode estar se perguntando: “mas e as drogas, onde se enquadram?” Elas sempre estiveram presentes em tudo o que foi mostrado até agora. São todos esses comportamentos que levam o adicto a usar. Todos estes defeitos fazem com que um vazio gigantesco resida no nosso interior, um vazio tamanho que precisa ser preenchido por alguma coisa, no caso as drogas, mas pode ser qualquer coisa: sexo, comida, jogos, furto, medicamentos, enfim. As drogas não são o maior inimigo do adicto, por incrível que pareça, são os seus padrões de comportamento e suas maneiras de pensar. As drogas são apenas uma consequência, a ponta do iceberg, a cereja do bolo.
                Note que sendo assim, muitas pessoas têm comportamentos aditivos, mas não usam drogas. O lado bom é que qualquer pessoa pode pôr essas mudanças em ação. Tenho plena convicção que você conhece pelo menos uma pessoa assim. O que me entristece é o fato de não terem a mesma boa sorte que eu, de ir tão fundo para precisar enxergar isso. É isso mesmo: sou extremamente grato por ter passado por tudo isso, porque do contrário, talvez ainda vivesse na escuridão.

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