A GESTAÇÃO DE UMA NOVA VIDA
(Leia antes as partes I, II e III deste texto postadas abaixo)
Frederico Burlamaqui
(fredkareka@hotmail.com)
É curiosa a maneira como fui recebido. Depois de
estar acostumado a constantemente tratar e ser tratado com hostilidade fui
acolhido com abraços e boas-vindas, o que me causou estranheza. Pensava que
queriam alguma coisa de mim, desconfiando. Não podia acreditar como alguém como
eu pudesse ser tratado com cordialidade – algo tinha de estar errado, ainda
mais por aquelas pessoas com aspecto saudável e sempre sorrindo me dizendo que
também tinham usado muita droga e por muito tempo, alguns até mais tempo que
eu. Não, eu não engoliria essa assim tão fácil. Senti uma desconfiança ainda maior
quando fui apresentado no refeitório para os outros cerca de sessenta e cinco
residentes (preferimos ser chamados assim ao invés de internos) sob uma
calorosa salva de palmas. Mas nesse momento, senti algo mais além de
desconfiança: senti que estava realmente entre pessoas como eu. Pelos olhares,
reparando melhor, dava para perceber isso. ”Adicto ‘saca’ adicto”, como
dizemos. Carregaram minhas coisas para meu quarto, e quando fui arrumá-lo,
sozinho, desabei em pranto: naquele momento, tive consciência do quadro geral.
Não
pretendo entrar em detalhes sobre como é um tratamento para adictos, mas posso
garantir que não é como muitos pensam. Não é um ambiente triste, com pessoas
presas ou se lamentando, pelo contrário, é um clima que alterna entre o calmo e
o alegre. Mas não acho assertivo fazer um julgamento de valor, dizendo se é bom
ou ruim estar internado, pois como dizemos: “uma clínica pode ser o céu ou o
inferno, depende de como se encara”. Sei que para mim, escolhi que fosse meu
céu – qualquer lugar era melhor do que onde eu estava.
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