quarta-feira, 5 de outubro de 2011

“Non est maior defectum quan ignoratio” Parte IV


A GESTAÇÃO DE UMA NOVA VIDA
(Leia antes as partes I, II e III deste texto postadas abaixo) 
 
Frederico Burlamaqui
(fredkareka@hotmail.com)

                É curiosa a maneira como fui recebido. Depois de estar acostumado a constantemente tratar e ser tratado com hostilidade fui acolhido com abraços e boas-vindas, o que me causou estranheza. Pensava que queriam alguma coisa de mim, desconfiando. Não podia acreditar como alguém como eu pudesse ser tratado com cordialidade – algo tinha de estar errado, ainda mais por aquelas pessoas com aspecto saudável e sempre sorrindo me dizendo que também tinham usado muita droga e por muito tempo, alguns até mais tempo que eu. Não, eu não engoliria essa assim tão fácil. Senti uma desconfiança ainda maior quando fui apresentado no refeitório para os outros cerca de sessenta e cinco residentes (preferimos ser chamados assim ao invés de internos) sob uma calorosa salva de palmas. Mas nesse momento, senti algo mais além de desconfiança: senti que estava realmente entre pessoas como eu. Pelos olhares, reparando melhor, dava para perceber isso. ”Adicto ‘saca’ adicto”, como dizemos. Carregaram minhas coisas para meu quarto, e quando fui arrumá-lo, sozinho, desabei em pranto: naquele momento, tive consciência do quadro geral.
Não pretendo entrar em detalhes sobre como é um tratamento para adictos, mas posso garantir que não é como muitos pensam. Não é um ambiente triste, com pessoas presas ou se lamentando, pelo contrário, é um clima que alterna entre o calmo e o alegre. Mas não acho assertivo fazer um julgamento de valor, dizendo se é bom ou ruim estar internado, pois como dizemos: “uma clínica pode ser o céu ou o inferno, depende de como se encara”. Sei que para mim, escolhi que fosse meu céu – qualquer lugar era melhor do que onde eu estava.

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