segunda-feira, 3 de outubro de 2011

“Non est maior defectum quan ignoratio” Parte II


UM POUCO DE MIM
(Leia antes a parte I  deste texto postada abaixo) 

Frederico Burlamaqui
(fredkareka@hotmail.com)
                Minha lembrança mais antiga é de minha cidade natal e morávamos em um condomínio. Creio que tinha por volta de três anos de idade. Curiosamente, não é uma boa lembrança: é medo, na verdade. Mas não detalharei isso, com seu perdão (já falei sobre isso a outros). Tive uma infância alegre: era uma criança inteligente e curiosa, gostava de brincar e descobrir coisas novas, e havia momentos que gostava de ficar sozinho (é importante citar isso). Tinha um irmão mais velho e nos dávamos bem.
                Mudamos de cidade quando tinha por volta de quatro anos de idade, pois minha mãe queria ficar perto de minha avó, sentia saudade de sua terra-mãe e de sua família. A residência de minha avó foi nosso lar por um tempo, porque a casa que meus pais compraram estava em reforma para nos receber. Sempre muita gente, e talvez por isso, havia certa severidade no ambiente, mas também a sensação de acolhimento.
                Fui crescendo e conhecendo colegas vizinhos, brincávamos muito e adorava tudo aquilo – a infância, em minha opinião, é a fase mais gostosa da vida. Descobria cada vez mais que o mundo é grande, muito maior do que achava. Guardo nomes de diversos amigos o que me deixa até nostálgico, aliás, escrevendo sobre essas coisas, me sinto assim há um tempo.
                Chegou a fase do colégio e mais descobertas: novos colegas, algumas paixõezinhas (sem menospreza-las), “algumas” artes (aprontava muito!), decepções, alegrias, enfim, nenhuma queixa de que poderia ter aproveitado mais, acredito que foi na medida certa, com exceção das surras que levava de minha mãe, o que me deixava absurdamente triste e com raiva.
                Aos nove anos de idade, sendo bem curioso, tomei meu primeiro gole de álcool. Foi uma sensação nova, mas passei mal, e meus pais brigaram bastante. Hoje em dia, adiantando um pouco o raciocínio, sei que foi também uma maneira de me vingar das surras que levava.
                Na adolescência, as coisas foram mudando, quando conheci novas companhias, o que foi “bom” por bastante tempo. Digo isso porque eu gostava de estar com eles, mas para ter sua aprovação, bebia e depois de um tempo, parti para outras drogas. Era pura curtição: festas, namoradas, bebidas e outras drogas, como inalantes e maconha. Hoje, definimos isso como fase de “namoro” com as drogas. Sou capaz de contar histórias até engraçadas dessa época.
Conheci minha primeira namorada nessa época, meu primeiro amor, aos quinze anos. Já consumia álcool com regularidade e maconha com certa frequência, mas ainda não considerava parar, porque, na minha concepção, não me atrapalhava. Além disso, conseguia convencer minha amada de não havia problema naquilo, aliás, uma característica marcante dos dependentes químicos – a capacidade de manipular, ou de pelo menos querer. Discorrerei em detalhes sobre isso no momento certo.
Refletindo sobre minha adolescência para a fase adulta, vejo hoje que as drogas, incluindo o álcool, nunca estiveram dissociadas de minha vida, depois que os conheci. Absolutamente tudo o que fazia tinha que ter alguma ligação com esses companheiros do passado, inclusive meus sentimentos, ações e decisões. Posso citar diversos exemplos: se ia viajar, tinha que ser à praia, “porque praia, cerveja e maconha, foram feitos um pro outro”; se fosse convidado pra uma festa, era lógico que ia por que tinha bebida, com um tempinho pra “fazer a cabeça” com um baseado; adorava uma Rave , porque ecstasy  e LSD é em enorme quantidade;   se fosse meu aniversário, tinha que ser em um sítio porque na minha família só tinha “careta”; se quem eu conhecia não bebesse e não usasse nada, não podia ser meu amigo. Defendia categoricamente que a maconha deveria ser legalizada no Brasil, o que inclusive, foi o tema da redação que me pôs na Universidade. Mentia, ou seja, era desonesto com os outros, e principalmente comigo mesmo. Fazia-me de vítima, afirmando que as pessoas, ou melhor, o mundo estava errado a meu respeito, e sentia raiva delas por não aceita-las nem compreende-las. Raiva, aliás, era minha amiga íntima, mas sem separá-la de seus companheiros: a falta de aceitação, a ilusão, o remorso, a tristeza, a inveja, a dor, o enorme vazio, a completa solidão, mesmo cercado de pessoas. Conhecendo-me, você pode até achar que é exagero, mas é a mais pura verdade, acredite, tive bastante tempo para aprender que era isso.
Conheci na faculdade a pessoa que me fez acreditar em amor à primeira vista. Isso passou a ser minha prioridade nessa época, eu tinha que tê-la para mim. Era tão desonesto, que sinceramente, nem me ocorreu por um momento sequer, ter consideração e tentar manter meu então atual namoro. Mas lógico, ainda queria sair com ela às vezes, só para mantê-la sob meu controle (sempre desonesto).
Confusos e complexos, mas não mais incompreensíveis são meus sentimentos sobre essa época. Sem dúvida a amava, mas não sabia como lidar com isso, por mais simples que pareça. Não incluo o amor na lista dos sentimentos a que me refiro no caput desse texto. O amor, na verdade, é o sentimento mais simples, mas não menos forte que existe, em minha opinião. A queria comigo por toda minha vida, de verdade, mas o conflito, hoje sei, estava dentro de mim. Enganei, não tive aceitação muito menos sabedoria. Menti, manipulei, traí, até mais do que se pode pensar, mas hoje sei que não foi por minha culpa diretamente, como explicarei mais adiante.
Se escrevesse aqui tudo o que fiz de mal não só ao grande amor de minha vida até agora, mas a todos que me cercavam, sem dúvida daria muita coisa, mas já fiz isso, não é minha intenção aqui relacionar danos, mas de reforçar minha atual condição espiritual de vida. Além disso, os problemas nem são o mais importante: é o que se faz em relação a eles. Quero, portanto, demonstrar as causas e como as trabalhei para chegar onde estou hoje, se quiser tentar, mas lhe previno: não é em absoluto, fácil. Nem ao menos difícil, é complexo.

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