sábado, 24 de setembro de 2011

Ainda há motivos

     Faz algum tempo que não posto nada. Escrever significa muito para mim, é um ato de libertação. No entanto, sinto como se tivesse me esvaziado, como se as palavras fugissem, e, no entanto, as ideias fervilham.
     Nossa doença é algo que nos persegue por toda vida. Vez ou outra, lembranças do passado chegam e me vejo a pensar sobre tudo o que ocorreu. Já percebi que quando não estou tão bem, quer estressado, quer meio triste, elas vêm de forma mais intensa. Nestes instantes, há sempre alguns pensamentos que querem me dizer algo do tipo "vai, não fará mal; só desta vez", mas sei que não é verdade. Durante muitos anos sempre ouvi isso e foi justamente o contrário que me aconteceu. Perdi tudo, a começar pela minha honestidade e dignidade.
     Recebi um e-mail alertando para os perigos das drogas mostrando uma imagem do antes e do depois. Não foi diferente com relação a Amy Winehouse à época de sua morte. Sinceramente, falo como um dependente químico, a aparência é o de menos nisto tudo. O sofrimento que a dependência provoca em nós, em nossos familiares é tão intenso e deixa marcas tão profundas e cicatrizes difíceis de sararem que a questão da aparência é o de menos. 
     Nesses momentos percebo o quanto fui abençoado por ter ido resgatado deste inferno pessoal. Deus me restituiu tudo o que havia desprezado. Ainda percebo que minha filha não superou tudo o que ocorreu e que paira um medo de que o pesadelo volte. Isto é normal e acredito que não apenas com ela ocorra este fato. Aprendi, no meu tratamento, que não posso mudar as pessoas, e nem tenho que me preocupar com isto. Tenho que me preocupar nestas horas apenas comigo. Só por hoje, está nas minhas mãos optar pela sobriedade. Quando olho para tudo que foi reconquistado e em tão pouco tempo, vejo que ainda há motivos de se viver limpo e sóbrio. Nenhum prazer que a droga possa proporcionar supera o sofrimento que vem depois e a felicidade de ver o mundo com liberdade. Ainda há motivos...

2 comentários:

  1. Gosto da forma como escreve, porque você nos mostra seus sentimentos, momentos de certo desânimo, momentos de alegrias, ou seja, você mostra como é a vida de um dependente químico em recuperação, mostra que é uma luta diária vencer essa doença, parabéns por mais um dia.
    Com toda certeza ainda há motivos!

    ResponderExcluir
  2. Uma vez meu ex marido partilhou comigo o qto ele não gostava da "insegurança" e "falta de confiança" da qual a familia dele o tratava: "Estou limpo a N anos e eles ainda vivem me rodeando, fazendo me lembrar sempre o qto eles não acreditam em mim!"
    Lembro que na época tentei argumentar que a recuperação era pra ele e não pra mim e nem pra familia dele, e que talvez eles desconfiassem pra sempre, mas que isso não deveria afetar a sua recuperação pessoal, afinal se ainda existia descoonfiança, com uma recaida poderia existir um "abandono total".
    A familia dele desconfia até hj, rs, mas como ele me disse outro dia, "prefiro minha mãe me olhando de canto de olho, ou olhando os bolsos das minhas calças do que ela chorando pelos cantos" - hj em dia ele leva numa boa, consegue achar graça, vê a mãe entrando no quarto a noite, ele faz que está dormindo e o bom é que depois que ela dá uma "olhadela" nos bolsos sempre dá um beijo na testa dele... como ele diz.... O Beijo de boa noite vale a pena! rs....
    Amigo... sua recuperação é pessoal... ame sua familia e perdoe-os eles apenas querem vc bem!

    ResponderExcluir