segunda-feira, 30 de maio de 2011

Oração da serenidade

"Concede-me, Senhor, a serenidade necessária para aceitar as coisas que não posso modificar, coragem para modificar as que posso e sabedoria para distinguir a diferença."

      Esta oração faz parte de quem, de alguma forma, está envolvido com o programa dos doze passos. No início fazemos um pedido para Deus. Isto significa que não conseguimos nada sozinhos; que sós, somos fracos e que só há possibilidade de nos fortalecermos com Deus. Ao admitirmos isto, nos fazemos humildes para buscarmos ajuda e, pela humildade, crescemos em grandeza.
     Ao pedirmos a ajuda de Deus, não podemos esperar que Ele desça em uma nuvem dourada e pergunte a nós o que queremos Dele. Ele nos ajuda por meio das pessoas ao nosso redor e das situações às quais  vivemos. Até aquela pessoa que não possuimos muita afinidade ou ficamos aborrecidos quando estamos próximos a ela é um instrumento de Deus para que possamos exercer a paz, o perdão e a complacência.
     Pedimos a Deus a serenidade, pois foi a falta dela que, dentre outros fatores, provocou o desequilíbrio em nós e, por conseguinte, em nossas ações. Pedimos serenidade para pormos em prática outro princípio básico de recuperação: aceitação; aceitação e entendimento da nossa realidade; aceitação de que nem sempre as coisas são como desejamos e que isso não pode comprometer nossa recuperação. Temos que ter em mente que estamos fazendo nossa recuperação porque precisamos e não para mudarmos uma dada realidade ou reações das pessoas para conosco. Após a aceitação, vem um elemento fundamental: coragem para nos aceitarmos como somos, pessoas com limitações, defeitos e qualidades e, que nem por isto, deixamos de ter o direito de buscarmos nossa felicidade. Pedimos coragem para modificarmos nossa realidade e dizermos um não aos velhos hábitos, fomas de pensar e às drogas.
     Temos que ter em mente que nem sempre podemos mudar a realidade ao nosso redor, por isso, que tal começarmos por nós? Daí a sabedoria que pedimos ao final para percebermos o que é possível de mudança e o que não é. Portanto, temos que pôr em pática nossa aceitação e entendimento para que possamos conviver harmoniosamente com aquilo que não podemos modificar.

domingo, 29 de maio de 2011

Um dia de cada vez


“Se ajudarmos uma só pessoa, partilhando a experiência de nossa dor, o sofrimento terá valido a pena.”

    Admitir minha impotência não foi fácil. Passei muitos anos achando que podia controlar a situação. Tentava me enganar. No fundo, sabia que a droga tinha consumido minhas forças, minha autoestima e minha fé. Usava porque era impotente e, ao sofrer com isso, usava mais ainda para fugir desta realidade.
    Meu sofrimento logo desaparecia quando estava sob o efeito de qualquer substância que me tirasse o equilíbrio. Uma sensação de bem-estar falsa tomava conta de mim e tinha a ilusão da certeza de que não precisava parar de usar, de que não precisava de ajuda.
    Isolava-me cada vez mais das pessoas e, sem perceber, de mim. Não tinha vontade de fazer nada, a não ser usar mais e mais. As crises de depressões eram frequentes e hoje, pensando sobre elas, acredito que se davam porque era a verdade que aparecia pela minha consciência e eu não queria aceitar: “Não dá mais para continuar assim. Você está se destruindo e destruindo tudo o que você ama.” Era difícil acreditar e aceitar isto, daí usava mais e mais.
    Não quero falar o que fiz, mas falar sobre o que fiz. É doloroso perceber os erros, as mágoas, mesmo depois de algum tempo limpo. O processo de perdão, demorei a entender, teria que começar por mim: me perdoar por ter sido fraco, por mergulhar na podridão e jogar no lixo todos e tudo o que mais amava.
    Só por hoje, me sinto mais forte e vejo que valeu à pena ter passado por todas as dificuldades a fim de recuperar minha sobriedade. Sobriedade não é apenas parar de usar drogas, é buscara serenidade, a calma e a paciência todos os dias. Recuperação não é deixar de usar, mas, além disto, recuperar o equilíbrio e não voltar para os velhos hábitos. Não posso me esquecer da lama de onde vim para não retornar a ela. Fazer o movimento contrário dos meus defeitos de caráter irá me ajudar a ficar limpo só por hoje. Se eu voltar a ser agressivo, intolerante, dono da razão, autossuficiente e impulsivo, estarei voltando aos velhos hábitos e perto de uma recaída.
     Não tenho que complicar a vida. Não tenho que procurar defeitos no outro. Não tenho que me esconder atrás de desculpas e mentiras. Chega. As coisas são bem mais simples do que as mentiras e desculpas que criava para viver no erro. Não posso esquecer o que sou, o que não posso e a vida que não mais desejo. Só por hoje eu me permito ser feliz.

sábado, 28 de maio de 2011

Paciência

   Muitas vezes, achamos que o sofrimento que estamos vivenciando é "insuporavel" e "eterno", que não há esperanças e que jamais as coisas irão mudar em nossas vidas. Temos que ter paciência e perseverança para entendermos que nada é duradouro e que há aprendizagem em todas as nossas vivências. Quero compartilhar um texto que achei muito interessante acerca desses temas. Paciência, fé, aceitação e esperança são princípios básicos para mantermos nossa sobriedade.

Sofrimento e esperança


    O sofrimento é aquele recipiente pelo qual passa  ação purificadora de Deus em direção à nossa alma e que se destina à nossa perfeição espiritual.
    Se não fosse o sofrimento, nós viveríamos mergulhados, permanentemente, no oceano das nossas ilusões. É ele que nos desperta para a realidade dos valores sobrenaturais e nos mostra a face do Cristo sofredor.
    Após um sofrimento, moral ou físico, cada um de nós sai mais consciente, mais humano e mais cristão.

(COMECE O DIA FELIZ - José de Sousa Nobre)

Hoje estou feliz

    Ao acordar hoje, parei um pouco para pensar sobre mim, de como as coisas estão acontecendo minha vida. Sentado ainda na cama, comecei a agradecer a Deus pelo dom da vida: não só estar vivo, mas o me sentir vivo. Olhei para o meu lado e vi meu filho de quatro anos que ainda dormia. Agradeci ao Pai mais uma vez por este momento tão especial e pedi-Lhe forças para viver “apenas hoje”.
    Demorei muito a entender que a felicidade está nas coisas mais simples. Como as desprezei no transcorrer de minha vida. Reaprender o significado de um abraço, de um carinho ou de apenas estar junto a minha família. Prazeres tão grandes, coisas tão simples e, por isto, tão belas.
    Não sinto aquele vazio que tinha antes e nem tampouco uma espécie de angústia que me fazia desesperadamente procurar a felicidade fora de mim. Entendi que felicidade não está no ter ou com quem eu estou. Ela é íntima e pessoal. Não posso cometer o velho erro do passado em depositar minha felicidade em algo, em uma situação ou em alguém. As coisas vão e vem de nossas vidas; as pessoas complementam a felicidade, não são o motivo dela existir. Buscar o equilíbrio e a serenidade é uma prioridade. Não posso me esquecer que foi justamente a falta de Deus e de equilíbrio os motivos para todos os “desastres” que ocorreram em minha vida.
    A cada vez mais, não me preocupo tanto com o que pensam ou o que deixam de pensar de mim. Antes, isto causava impacto em meu estado emocional. Hoje, me importo com o que sinto, com o que tenho pensado e de como tenho agido para com as pessoas. Viver sem me preocupar com o que o outro vai pensar é libertador.
    Ao acordar, me senti envolvido por uma sensação de bem-estar que permanece até agora. Percebo que tenho todos os motivos do mundo para não ficar achando que minha vida é ruim. Deus me restituiu tudo o que joguei fora. O que mais desejaria? Estou vivo, sóbrio e feliz. E isto é bom. E, só por hoje, isto basta.

sábado, 21 de maio de 2011

Os Doze Passos

Os doze passos vem ser uma filosofia devida desenvolvida por Narcóticos Anônimos que ajuda o dependente químico a se manter limpo, isto é, sem consumir quaisquer substâncias que tirem seu equilíbrio psíquico e emocional. São doze sugestões que têm produzido resultados satisfatórios na vida de muitas pessoas, ajudando-as a recuperar não apenas seu equilíbrio como também sua dignidade.
Os três primeiros são a base de qualquer tratamento. Se não os pormos em prática todos os dias, estamos fadados a uma recaída. Aqui vamos fazer uma breve apresentação deles. Sugerimos que você procure lê-los na literatura de NA e refletir sobre tudo o que eles colocam. Uma mudança de vida começa na mudança de posturas e valores que possuímos.

PRIMEIRO PASSO: Admitimos que éramos impotentes perante a nossa adicção, que nossas vidas tinham se tornado incontroláveis.

Admitir que somos impotente perante minha adicção e nossos defeitos de caráter é o primeiro passo de qualquer recuperação. Enquanto não admitirmos esta impotência, continuaremos achando que podemos usar drogas e “termos uma vida normal”. Não há uma vida normal com drogas. Não há quantidades seguras de droga para o consumo. Uma característica de nossa doença é a compulsão. Só precisamos usar uma vez para perdermos o controle sobre nossas ações.
Nossos defeitos de caráter (arrogância, autossuficiência, manipulação, egocentrismo, etc.) foram os fatores decisivos que nos levaram ao consumo de droga. Quantas vezes justificamos nosso uso em outras pessoas (estou usando porque Fulando fez isso ou agiu assim comigo)? São os nossos defeitos de caráter que nos manipulam e nos fazem acreditar que temos controle sobre nosso uso, que paramos de usar quando queremos, que podemos usar só um pouco ou mais uma vez.
Admitirmos a nossa impotência perante as drogas e o nossos defeitos de caráter é um passo grandioso, pois nos faz ultrapassar todo o nosso orgulho e nos faz termos consciência de que temos um problema, que precisamos de ajuda. A ausência da droga nos deixará, neste instante, um vazio. Mas não temos que pensar nisto agora, apenas sabermos que não suportamos mais sofrermos e que queremos e precisamos mudar de vida nos basta.

SEGUNDO PASSO: Viemos a acreditar que um Poder maior do que nós poderia devolver-nos à sanidade.

Em Narcóticos Anônimos, insanidade significa fazermos os mesmos erros esperando obter resultados diferentes. Em nossa adicção ativa, cometemos inúmeros atos de insanidade para usarmos algum tipo de substância. Cometemos essas insanidades sem estarmos sob o efeito de drogas. Não podemos mais justificarmos nossas ações colocando a responsabilidade de nossas atitudes em outros fatores. A maior parte das vezes que cometemos insanidades, estávamos sem uso de drogas e as cometemos justamente para usarmos.
Agora, sabendo de nossa impotência perante as drogas e os nossos defeitos de caráter, temos que buscarmos nosso equilíbrio (espiritual, psicológico e emocional). Nossa recuperação começa a avançar à medida em que vamos restaurando o equilíbrio antes perdido. Estar limpo e sóbrio não é apenas deixar de usar drogas, mas ter atitudes serenas e sensatas. Aí entra o nosso Poder Superior, que, para a maioria, é Deus.
A droga nos deixou um vazio. Temos que preencher esse vazio com algo maior e mais forte do que a droga: nosso Poder Superior. Acreditar que nosso Poder Superior poderá nos devolver a sanidade é aceitar que Ele opere ações em nossas vidas, é permitir que Ele aja nos restaurando não apenas a questão do equilíbrio, como também nos fazendo crer que agora não estamos apenas dando mais um tempo sem usarmos drogas, que buscamos restaurar tudo o que a nossa adicção ativa destruiu em nossa vida, a começar por nós mesmos.

TERCEIRO PASSO: Decidimos entregar nossa vontade e nossas vidas aos cuidados de Deus, da maneira como nós o compreendíamos.

Este é um passo difícil a princípio, mas fundamental para nossa recuperação. Durante toda a nossa adicção ativa, entregamos nossas vidas e vontades aos cuidados da droga e de nossos defeitos de caráter. O resultado foi devastador. Passamos um bom tempo entregando nossas vidas na mão de um poder destruidor. Agora, por que não nos entregarmos a um poder restaurador?
Inicialmente, temos certo receio dessa entrega, afinal, estávamos tão acostumado a um modo de vida antigo que, mudar isto parece difícil e nos gera insegurança. Essa entrega é algo similar a fecharmos os olhos e saltarmos na escuridão. Mas não foi exatamente isso que fizemos quando nos adentramos pelas drogas? Entramos em um mundo sem uma dimensão real do que aconteceria, achando ingenuamente que poderíamos sair dele assim que quiséssemos. Se já agimos assim no passado, por que não podemos entregar nossas vidas e cuidados nas mãos de Deus, já que sabemos que os resultados só podem ser os melhores possíveis?
O que é a vontade de Deus em nossa vida? É tudo aquilo que é positivo, que é uma afirmação da vida, de coisas boas. Já nossas vontades são destruidoras. Sabemos bem fazermos essa distinção e percebermos os resultados delas em nossas vidas.


sexta-feira, 20 de maio de 2011

E agora?


Essa é a pergunta que muitas famílias e dependentes químicos se fazem quando termina, em regime de internação, o tratamento do dependente. Desconfianças, receios e inseguranças são normais. De um lado, a família que não sabe ao certo quem vai receber (se alguém que está em um processo de recuperação ou apenas está dando um tempo dos velhos erros); d’outro, o dependente que está cheio de expectativas e planos e que não sabe ao certo sobre como serão reestruturadas suas relações (familiares, amorosas, profissionais e sociais).
É preciso ter coragem para assumir o problema, não apenas por parte do adicto, mas também de sua família. Ambos adoecem neste processo e precisam, juntos, buscarem novas possibilidades para buscarem uma saída. Alguém que termina um tratamento tem que ter algumas coisas em mente que evitarão que ele recaia:

1.    Conscientizar-se de que a dependência química é uma doença sem cura e que, portanto, ter que se manter vigilante. Esquecer de sua condição é um passo crucial para uma recaída. Frequentar um grupo de autoajuda é fundamental. Busque um desses grupos, faça algum trabalho voluntário (especialmente ajudando a instituição à qual você fez o tratamento);
2.    Nunca se esquecer de Deus. A droga degenera tudo: valores, amor próprio e a fé. Ela se torna o centro da vida de um dependente. Apenas retirá-la não é suficiente. É preciso que se coloque algo maior e mais poderoso do que ela na vida do adicto para que as coisas voltem a ter sentido. Muitos dão um tempo das drogas e não buscam uma reformulação interior. Dar um tempo não é recuperação, e sim, ilusão;
3.    Mudar hábitos, companhias e valores. Se estou em recuperação, tenho que evitar os conhecidos que usam drogas, a “boca de fumo” e os locais em que a droga circula ou que estejam, de alguma forma, associadas ao seu consumo. Recuperação é mudança de vida e isto implica em uma reformulação. Não se muda de vida fazendo os mesmos erros;
4.    Retomar a rotina: espiritualidade, estudo, trabalho, família, etc. A ociosidade é uma grande vilã, pois acaba estimulando que o dependente volte a frequentar o grupo de usuários ao qual ele estava vinculado. Uma vida planejada não dá espaço para “imprevistos” ou “surpresas”;
5.    Nunca tenha vergonha ou orgulho para pedir ajuda. Os defeitos de caráter foram cruciais para que o dependente químico chegasse ao fundo do poço. Ninguém é tão forte que não precise de ajuda e ninguém é tão fraco que não possa ajudar (a fábula do Leão e do Rato). Muitas vezes, uma palavra de apoio ou a disposição de escutar o outro são fundamentais e evitam uma recaída. Esteja pronto para ajudar e ser ajudado;
6.    Não cultivar o rancor e trabalhar a paciência. As melhores e mais duradouras obras levaram muito tempo para serem feitas. Cultivar o perdão e a tolerância são dois fatores  importantes. Começar por se perdoar já é bom. Perdoe-se por tudo o que você fez para você e os outros sofrerem. Entender que se é humano e apender com seus erros faz com que se dê valor ao que a droga roubou de você e ao que, após o tratamento, você está retomando.

A família precisa ter um diálogo aberto e franco com seu membro que é dependente. Fingir que está tudo bem agora não resolve nada, mascara uma realidade. Para muitos, não tocar mais no assunto é a forma encontrada para “superar o sofrimento provocado pelas drogas”. Isso não resolve. Encarar de frente o problema faz todos lembrarem o desejo de evitarem reviver o que aconteceu. Se necessário, deve ser procurada uma ajuda especializada. Todo ato de superação nunca acontece sozinho: primeiro, Deus; depois, a união da família, discutindo e enfrentando com coragem suas dificuldades e problemas.
Há vida sim após a droga. Há esperança.

domingo, 15 de maio de 2011

Mantendo-se limpo

A adicção é uma doença incurável, progressiva e fatal. No entanto, há esperança: é possível manter-se limpo, mas não é fácil. Para isto acontecer, há um conjunto de fatores combinados: Deus, os 12 passos de NA, boa vontade, mente aberta e fé.
Viver um dia por vez faz parte do tratamento. Todos os dias, ao acordar, faço minha oração e peço forças a Deus “só por hoje”. A sobriedade traz muitos benefícios e um deles é sentir-se vivo. Como é bom sentir a vida em todas as suas dificuldades. Não deixar, em estado de anestesia, a vida passar, mas vivê-la em seus mais belos e simples instantes. Ser agente de minha existência e não um mero expectador passivo.
Não crio grandes expectativas e desejos para com o futuro. Vivo de forma mais simples. Aprendi a encontrar a beleza no sorriso de meu filho e a felicidade em um abraço. O que mais preciso? Sinceramente, nada. Já tenho o suficiente e, ter a consciência disto faz com que eu não vá buscar, ilusoriamente, a felicidade em meio a coisas artificiais. Entendi, depois de muito sofrimento e tempo desperdiçado, que a minha felicidade está aqui dentro, comigo, e não externamente; que ela não reside no que se tem e com quem se está, mas que é, dentre outras coisas, um estado de equilíbrio e comunhão íntima com Deus. Não há felicidade fora Dele, só ilusão.
Há muitas dificuldades enfrentadas após o tratamento e isto é plenamente compreensível. A desconfiança inicial das pessoas ao te receberem, as magoas e decepções geradas, as reparações por serem feitas são apenas algumas destas dificuldades. No entanto, tenho que me concentrar no que realmente interessa. Não posso me deixar abalar por conta desses fatores. O que está feito não pode ser mudado. Tenho que ter em mente que a minha recuperação não foi feita para agradar ninguém, reatar uma relação ou ainda obter algo. Ela foi feita por mim, porque preciso. Se não tiver isso bem claro em minha mente, estarei não apenas depositando a minha recuperação e minha felicidade na mão de algo / alguém, como também estarei em um processo de recaída.
O processo de aprender a lidar com o passado e as consequências dos erros cometidos é algo que, a cada dia, aprimoro um pouco mais. Não há uma fórmula, mas há alguns procedimentos: mente aberta, paciência e perseverança. O tempo é o melhor remédio para fechar as feridas abertas. Algumas demoram mais, outras menos e talvez algumas dificilmente serão de todo sanadas, mas evito pensar a respeito e me concentro em meu presente, pois reviver todos estes erros não me ajuda em nada. Compreendi, a duras penas, que para poder encarar as pessoas de frente (inclusive a mim) sem nada temer, não tenho apenas que estar limpo, mas que me perdoar por todas as coisas ruins que fiz na minha adicção. A primeira pessoa que prejudiquei foi eu mesmo, portanto, se o perdão não partir de mim para mim, carregarei um peso imensurável por uma jornada em que se esgotará minhas forças e cairei.
Aceito viver com as minhas limitações. Sei que talvez possa não viver exatamente como desejaria, mas e daí? Tenho que entender que as coisas não saem exatamente como o planejado e isto não pode tirar meu equilíbrio. Na minha adicção, manipulei várias situações para conseguir algo que desejava e, por não estar preparado para ter aquilo que buscava, tudo se desmoronava. Compreendo hoje que o tempo de Deus e o meu tempo são diferentes; que a paciência vai nos moldando seres melhores, mais flexíveis e ponderados; que nem sempre estamos preparados para aquilo que estamos pedindo a Deus.
Ao final do dia, ao dormir, mais uma vez faço minha oração. Agradeço a Deus pelo dom da vida; por eu e minha família estarmos bem; pelas dificuldades enfrentadas que nos ajudam a amadurecer; por todas as coisas boas que não apenas aconteceram comigo, mas que também pude fazer para outras pessoas; por estar limpo. Ao final, coloco minha cabeça no travesseiro como alguém que fez tudo o que estava ao seu alcance, que aprendeu com os erros cometidos e que busca não ser o melhor, mas ser uma pessoa melhor a cada dia.

sábado, 14 de maio de 2011

Meu Poder Superior


Durante muito tempo, fui deixando para segundo plano meu Poder Superior, Deus. Preferi trocá-lo por coisas tolas e me voltar para os bens materiais. Isto foi fundamental para perder não apenas o meu equilíbrio emocional / espiritual, como também fez com que eu começasse a adotar outros valores e posturas na minha vida.
Comecei por desprezar ou dar importância menor à minha família. Aos poucos, fui me tornando um estranho não apenas dentro de minha casa / família, mas para mim mesmo. Não me reconhecia em muitas posturas, atitudes e colocações. Tinha perdido completamente o controle sobre mim.  Quantas vezes me olhava no espelho e não conseguia saber quem estava ali do outro lado? Era um boneco sem vontade, manipulado pela droga e pelos meus defeitos de caráter.
Aprendi dolorosamente que se eu não entregasse minha vida e minhas vontades aos cuidados de Deus, estaria arruinado. Fechei bem os olhos e me joguei em algo completamente novo para mim: entregar-me nas mãos Dele. Durante muito tempo, confiei minha vida e o que tinha de mais valioso nas mãos da droga. Por que não me entregar a Deus? Seria Ele, por acaso, pior que as drogas? Será que Ele me desejaria algum mal?  Claro que não. Como é colocado no Evangelho de João, que filho, ao pedir para seu pai um pão, dará o pai uma serpente? Quanto mais Deus. Buscá-Lo foi a única possibilidade que tinha para restaurar minha vida.
Hoje, com dois anos e meio de sobriedade, posso dizer que tudo o que (re)consegui foi, na verdade, a atuação de Deus em minha vida. Se viver hoje possui um sentido, é graças a Ele. Antes, a única coisa que fazia sentido girava em torno da droga. Nada que não se encaixasse nessa condição era desprezado por mim. Não tinha vontade de viver, meus sentimentos, minhas esperanças eram aspiradas junto com a droga. Me sentia um morto por dentro. Quantas vezes chorei impotente perante às drogas e a usava contra a minha vontade por ela ser algo mais forte do que eu? No meu tratamento, entendi que não bastava retirar as drogas de minha vida, mas tinha que substituí-la por algo maior e mais forte, ressignificando meus valores. Este algo maior e mais forte se chama Deus. Com Ele, tudo faz sentido; sem Ele, começo o doloroso caminho da recaída, pois possibilito que as drogas voltem a preencher todos os vazios de minha vida.

Saindo do fundo do poço

A dependência química é uma doença incurável, progressiva e fatal que tinha e não sabia. Passei muitos anos de minha vida usando drogas sem perceber a dimensão do problema.
Minha estória não é diferente em nada de qualquer dependente químico. Tudo começou com a “ingenuidade” de quem quer se autoafirmar. O cigarro, a bebida e o loló vieram bem cedo, aos 14 anos. Passei muitos anos usando várias substâncias que me tiravam o equilíbrio e me entorpeciam de prazer. À proporção que o tempo ia passando, as doses tinham que ser maiores e buscava novas substâncias, mais fortes do que as que estava usando.
Sempre tive medo de assumir para mim que era um dependente. Achava que podia parar a qualquer hora. Ledo engano. Chegava ao fundo do poço e não percebia.
Quando parti para a cocaína, jamais achei que ela iria me “pegar”. Eu era mais esperto, o tal, podia controlar a situação. Não percebi a armadilha óbvia que se instaurava na minha frente. As quantidades eram cada vez maiores. Minha moral, meu caráter, minha autoestima, minha fé estavam sendo aspiradas em uma bandeja. Não percebi que a primeira coisa que perdi foi a fé e dignidade. Não acreditava em mais nada; não tinha escrúpulos. Meu salário entrava pelo nariz rapidamente. Tornei-me irresponsável, desleixado, omisso, fútil e desequilibrado. Mas ainda acreditava que estava no controle e que pararia quando bem entendesse.
Deste estado de insanidade e desequilíbrio que me encontrava para o tratamento, foi um pulo. Não fui para o tratamento (na Fazenda da Paz) porque quis, mas porque fui pressionado. Tinha sido descoberto por minha esposa. A vergonha e a sensação de pânico tomaram conta de mim. O tratamento era a única opção que tinha naquele momento.
Não foi fácil. Lá, me deparei com meu pior inimigo: eu mesmo. Alguns meses haviam transcorrido e eu ainda não tinha iniciado de fato meu tratamento, estava lá apenas de corpo presente. Descobri que qualquer tratamento para dependência química começava no admitir a minha impotência perante o álcool, as drogas e os meus defeitos de caráter. Tive que perceber que não apenas estava na lama, mas havia jogado no lixo tudo o que eu mais amava, a começar por mim mesmo.
Doeu muito sair do fundo do poço. Era como se a cada pequena conquista eu arrancasse algo podre que tinha se fixado em mim na época em que era usuário de drogas. Entendi que tinha que me perdoar primeiro por tudo de ruim que fiz para poder não apenas fazer as reparações morais que deveria, como também viver em paz com minha consciência.
Aos poucos, Deus foi me restituindo tudo que a droga havia me tirado. Se hoje estou vivo e “limpo”, é graças a Ele. Terminar o tratamento foi difícil. Após ele, uma outra etapa que se descortinava diante de mim: recomeçar.
Hoje, estou limpo há aproximadamente 2 anos e 6 meses. Não peço nada a Deus porque Ele já me deu tudo que poderia desejar: minha dignidade, amor próprio, fé, esperança, família e trabalho. O que mais tenho a pedir? Nada. Apenas agradeço a tudo que Ele fez por mim. Pela manhã, faço uma oração de agradecimento e peço forças para ficar limpo durante o dia. Ao dormir, faço uma rápida retrospectiva de minhas ações e agradeço a Ele pelo dia e suas dificuldades e, especialmente, por ainda estar limpo.
Só por hoje funciona.

quarta-feira, 11 de maio de 2011

Escutatória

Um dos grandes problemas de nós, dependentes químicos, é  que, via de regra, não sabemos escutar. "Sempre temos razão" e a outra parte (pais, esposo/a, irmãos, etc.) nunca sabe o que está falando. O texto a seguir, de Rubem Alves, mostra bem o quão é importante e necessário o ato de ouvir em detrimento a falar:





ESCUTATÓRIA
Rubem Alves

Sempre vejo anunciados cursos de oratória. Nunca vi anunciado curso de escutatória.
Todo mundo quer aprender a falar, ninguém quer aprender a ouvir.
Pensei em oferecer um curso de escutatória, mas acho que ninguém vai se matricular.
Escutar é complicado e sutil.
Diz Alberto Caeiro que "não é bastante não ser cego para ver as árvores e as flores. É preciso também não ter filosofia nenhuma".
Filosofia é um monte de idéias, dentro da cabeça, sobre como são as coisas. Para se ver, é preciso que a cabeça esteja vazia.
Parafraseio o Alberto Caeiro:
"Não é bastante ter ouvidos para ouvir o que é dito; é preciso também que haja silêncio dentro da alma".
Daí a dificuldade: a gente não agüenta ouvir o que o outro diz sem logo dar um palpite melhor, sem misturar o que ele diz com aquilo que a gente tem a dizer. Como se aquilo que ele diz não fosse digno de descansada consideração e precisasse ser complementado por aquilo que a gente tem a dizer, que é muito melhor.
Nossa incapacidade de ouvir é a manifestação mais constante e sutil de nossa arrogância e vaidade: no fundo, somos os mais bonitos...
Tenho um velho amigo, Jovelino, que se mudou para os Estados Unidos estimulado pela revolução de 64. Contou-me de sua experiência com os índios: reunidos os participantes, ninguém fala. Há um longo, longo silêncio.
(Os pianistas, antes de iniciar o concerto, diante do piano, ficam assentados em silêncio, [...]. Abrindo vazios de silêncio. Expulsando todas as idéias estranhas.).
Todos em silêncio, à espera do pensamento essencial. Aí, de repente, alguém fala. Curto. Todos ouvem. Terminada a fala, novo silêncio.
Falar logo em seguida seria um grande desrespeito, pois o outro falou os seus pensamentos, pensamentos que ele julgava essenciais.
São-me estranhos. É preciso tempo para entender o que o outro falou. Se eu falar logo a seguir, são duas as possibilidades.
Primeira: "Fiquei em silêncio só por delicadeza. Na verdade, não ouvi o que você falou. Enquanto você falava, eu pensava nas coisas que iria falar quando você terminasse sua (tola) fala. Falo como se você não tivesse falado".
Segunda: "Ouvi o que você falou. Mas isso que você falou como novidade eu já pensei há muito tempo. É coisa velha para mim. Tanto que nem preciso pensar sobre o que você falou".
Em ambos os casos, estou chamando o outro de tolo. O que é pior que uma bofetada.
O longo silêncio quer dizer: "Estou ponderando cuidadosamente tudo aquilo que você falou". E assim vai a reunião.
Não basta o silêncio de fora. É preciso silêncio dentro. Ausência de pensamentos. E aí, quando se faz o silêncio dentro, a gente começa a ouvir coisas que não ouvia.
Eu comecei a ouvir.
Fernando Pessoa conhecia a experiência, e se referia a algo que se ouve nos interstícios das palavras, no lugar onde não há palavras.
A música acontece no silêncio. A alma é uma catedral submersa. No fundo do mar - quem faz mergulho sabe - a boca fica fechada. Somos todos olhos e ouvidos. Aí, livres dos ruídos do falatório e dos saberes da filosofia, ouvimos a melodia que não havia, que de tão linda nos faz chorar.
Para mim, Deus é isto: a beleza que se ouve no silêncio. Daí a importância de saber ouvir os outros: a beleza mora lá também.
Comunhão é quando a beleza do outro e a beleza da gente se juntam num contraponto.