sábado, 14 de maio de 2011

Saindo do fundo do poço

A dependência química é uma doença incurável, progressiva e fatal que tinha e não sabia. Passei muitos anos de minha vida usando drogas sem perceber a dimensão do problema.
Minha estória não é diferente em nada de qualquer dependente químico. Tudo começou com a “ingenuidade” de quem quer se autoafirmar. O cigarro, a bebida e o loló vieram bem cedo, aos 14 anos. Passei muitos anos usando várias substâncias que me tiravam o equilíbrio e me entorpeciam de prazer. À proporção que o tempo ia passando, as doses tinham que ser maiores e buscava novas substâncias, mais fortes do que as que estava usando.
Sempre tive medo de assumir para mim que era um dependente. Achava que podia parar a qualquer hora. Ledo engano. Chegava ao fundo do poço e não percebia.
Quando parti para a cocaína, jamais achei que ela iria me “pegar”. Eu era mais esperto, o tal, podia controlar a situação. Não percebi a armadilha óbvia que se instaurava na minha frente. As quantidades eram cada vez maiores. Minha moral, meu caráter, minha autoestima, minha fé estavam sendo aspiradas em uma bandeja. Não percebi que a primeira coisa que perdi foi a fé e dignidade. Não acreditava em mais nada; não tinha escrúpulos. Meu salário entrava pelo nariz rapidamente. Tornei-me irresponsável, desleixado, omisso, fútil e desequilibrado. Mas ainda acreditava que estava no controle e que pararia quando bem entendesse.
Deste estado de insanidade e desequilíbrio que me encontrava para o tratamento, foi um pulo. Não fui para o tratamento (na Fazenda da Paz) porque quis, mas porque fui pressionado. Tinha sido descoberto por minha esposa. A vergonha e a sensação de pânico tomaram conta de mim. O tratamento era a única opção que tinha naquele momento.
Não foi fácil. Lá, me deparei com meu pior inimigo: eu mesmo. Alguns meses haviam transcorrido e eu ainda não tinha iniciado de fato meu tratamento, estava lá apenas de corpo presente. Descobri que qualquer tratamento para dependência química começava no admitir a minha impotência perante o álcool, as drogas e os meus defeitos de caráter. Tive que perceber que não apenas estava na lama, mas havia jogado no lixo tudo o que eu mais amava, a começar por mim mesmo.
Doeu muito sair do fundo do poço. Era como se a cada pequena conquista eu arrancasse algo podre que tinha se fixado em mim na época em que era usuário de drogas. Entendi que tinha que me perdoar primeiro por tudo de ruim que fiz para poder não apenas fazer as reparações morais que deveria, como também viver em paz com minha consciência.
Aos poucos, Deus foi me restituindo tudo que a droga havia me tirado. Se hoje estou vivo e “limpo”, é graças a Ele. Terminar o tratamento foi difícil. Após ele, uma outra etapa que se descortinava diante de mim: recomeçar.
Hoje, estou limpo há aproximadamente 2 anos e 6 meses. Não peço nada a Deus porque Ele já me deu tudo que poderia desejar: minha dignidade, amor próprio, fé, esperança, família e trabalho. O que mais tenho a pedir? Nada. Apenas agradeço a tudo que Ele fez por mim. Pela manhã, faço uma oração de agradecimento e peço forças para ficar limpo durante o dia. Ao dormir, faço uma rápida retrospectiva de minhas ações e agradeço a Ele pelo dia e suas dificuldades e, especialmente, por ainda estar limpo.
Só por hoje funciona.

Um comentário:

  1. professorismar@hotmail.com14 de maio de 2011 às 08:44

    A dignidade de um homem pode ser percebida na humildade do reconhecimento dos seus próprios infortúnios. O exemplo de recuperação prova que seu caráter nunca foi sobrepujado por um "pó qualquer", pois a essência da tua perseverança te fez recomeçar, te fez viver...Acompanhamos teu calvário, de longe, mas ao mesmo tempo, bem de perto, pois vc é um parceiro de trabalho, de vida e de esperança para muitos que tentam e um dia conseguirão sair do fundo deste poço..Grande abraço meu irmão...

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