domingo, 15 de maio de 2011

Mantendo-se limpo

A adicção é uma doença incurável, progressiva e fatal. No entanto, há esperança: é possível manter-se limpo, mas não é fácil. Para isto acontecer, há um conjunto de fatores combinados: Deus, os 12 passos de NA, boa vontade, mente aberta e fé.
Viver um dia por vez faz parte do tratamento. Todos os dias, ao acordar, faço minha oração e peço forças a Deus “só por hoje”. A sobriedade traz muitos benefícios e um deles é sentir-se vivo. Como é bom sentir a vida em todas as suas dificuldades. Não deixar, em estado de anestesia, a vida passar, mas vivê-la em seus mais belos e simples instantes. Ser agente de minha existência e não um mero expectador passivo.
Não crio grandes expectativas e desejos para com o futuro. Vivo de forma mais simples. Aprendi a encontrar a beleza no sorriso de meu filho e a felicidade em um abraço. O que mais preciso? Sinceramente, nada. Já tenho o suficiente e, ter a consciência disto faz com que eu não vá buscar, ilusoriamente, a felicidade em meio a coisas artificiais. Entendi, depois de muito sofrimento e tempo desperdiçado, que a minha felicidade está aqui dentro, comigo, e não externamente; que ela não reside no que se tem e com quem se está, mas que é, dentre outras coisas, um estado de equilíbrio e comunhão íntima com Deus. Não há felicidade fora Dele, só ilusão.
Há muitas dificuldades enfrentadas após o tratamento e isto é plenamente compreensível. A desconfiança inicial das pessoas ao te receberem, as magoas e decepções geradas, as reparações por serem feitas são apenas algumas destas dificuldades. No entanto, tenho que me concentrar no que realmente interessa. Não posso me deixar abalar por conta desses fatores. O que está feito não pode ser mudado. Tenho que ter em mente que a minha recuperação não foi feita para agradar ninguém, reatar uma relação ou ainda obter algo. Ela foi feita por mim, porque preciso. Se não tiver isso bem claro em minha mente, estarei não apenas depositando a minha recuperação e minha felicidade na mão de algo / alguém, como também estarei em um processo de recaída.
O processo de aprender a lidar com o passado e as consequências dos erros cometidos é algo que, a cada dia, aprimoro um pouco mais. Não há uma fórmula, mas há alguns procedimentos: mente aberta, paciência e perseverança. O tempo é o melhor remédio para fechar as feridas abertas. Algumas demoram mais, outras menos e talvez algumas dificilmente serão de todo sanadas, mas evito pensar a respeito e me concentro em meu presente, pois reviver todos estes erros não me ajuda em nada. Compreendi, a duras penas, que para poder encarar as pessoas de frente (inclusive a mim) sem nada temer, não tenho apenas que estar limpo, mas que me perdoar por todas as coisas ruins que fiz na minha adicção. A primeira pessoa que prejudiquei foi eu mesmo, portanto, se o perdão não partir de mim para mim, carregarei um peso imensurável por uma jornada em que se esgotará minhas forças e cairei.
Aceito viver com as minhas limitações. Sei que talvez possa não viver exatamente como desejaria, mas e daí? Tenho que entender que as coisas não saem exatamente como o planejado e isto não pode tirar meu equilíbrio. Na minha adicção, manipulei várias situações para conseguir algo que desejava e, por não estar preparado para ter aquilo que buscava, tudo se desmoronava. Compreendo hoje que o tempo de Deus e o meu tempo são diferentes; que a paciência vai nos moldando seres melhores, mais flexíveis e ponderados; que nem sempre estamos preparados para aquilo que estamos pedindo a Deus.
Ao final do dia, ao dormir, mais uma vez faço minha oração. Agradeço a Deus pelo dom da vida; por eu e minha família estarmos bem; pelas dificuldades enfrentadas que nos ajudam a amadurecer; por todas as coisas boas que não apenas aconteceram comigo, mas que também pude fazer para outras pessoas; por estar limpo. Ao final, coloco minha cabeça no travesseiro como alguém que fez tudo o que estava ao seu alcance, que aprendeu com os erros cometidos e que busca não ser o melhor, mas ser uma pessoa melhor a cada dia.

2 comentários:

  1. Meu irmão, parabéns pela corajosa iniciativa de publicar este blog. Sua experiência certamente ajudará outras pessoas que, neste momento, estão passando pela mesma tempestade que você passou. Fé no Grande Arquiteto, força e vamos em frente. Um grande abraço.

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  2. Muito obrigado pela força, meu irmão. Refleti muito há alguns dias acerca de toda a experiência que tive a respeito e decidi partilhá-la com este intuito: ajudar e esclarecer sobre dependência química não apenas a quem tem este problema, mas também quem está na eminência de entrar em um mundo que, muitas vezes não tem volta e um final feliz.

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