quarta-feira, 29 de junho de 2011

Só por hoje...

      Tenho acompanhado muito alguns blogs que tratam de co-dependência estas últimas semanas. Percebo a dor que fica do outro lado. Ela não é fácil, porque não há muito que a família possa fazer. A atitude de mudança está em nossas mãos.
      Na última vez que estive em uma sala de NA, encontrei-me com um conhecido do qual temos um "amigo" comum. Algumas vezes, após eu ter saído da Fazenda, chamei o tal "amigo" para assistir reuniões de NA ou do tipo. Joguei pesado com ele ao mostrar-lhe a realidade da adicção. Me lembro que ao sair da casa de sua tia (perto da minha), apertei-lhe a mão e vi dedos queimados de tanto fumar crack. Segurei-a, apontei-lhe para os dedos e disse-lhe que eu teria vergonha daquilo. Perguntei-lhe até quando ele queria ser um fracassado? Um sorriso sem graça e vago foi sua resposta.
      Pois bem, na sala de NA  soube que sua situação estava pior. A família estava intervindo no intuito dele não ficar sozinho na casa que morava. Voltou para a casa dos pais depois de praticamente ter vendido tudo. Ele tem pouco mais de 40 anos e há muito não trabalha, só se drogando e sendo sustentado pela família. Pergunto: isto é vida? E a dignidade, onde fica?
     Na caminhada de domingo agora, encontrei algumas pessoas da época de nossa adicção ativa que estão na luta por ficarem limpas. Sinceramente, para mim, não importa no que você se agarre para não usar drogas, mas é preciso se segurar em algo, algo consistente. É como se estivessemos em uma enxurrada. Temos que nos apoiar em alguma coisa ou nos afogamos na nossa compulsão pelo uso.
      Quanto a este meu "amigo", não posso fazer mais do que orar e torcer por ele. Nós, dependentes químicos, temos que buscar nossa sobriedade em algo que faça sentido fora das drogas. Olhe o caso do Ray Charles: seu poder superior foi sua música, pois entre ela e a droga, foi a música. que ele escolheu . Comigo, vários tem sido meus suportes: Deus, eu, minha família - especialmente meus filhos -, ajudar dependentes. Acho que não suportaria a dor de jogar novamente no lixo tudo de mais belo que pude construir. Nunca me esqueci da expressão de minha filha quando fui descoberto; as inúmeras vezes que chorei sozinho em tratamento, sofrendo pelo que tinha feito; as vezes que fiquei rezando e pedindo fervorosamente a Deus e Nossa Senhora que me restaurassem. Foram tempos difíceis, em que achei que iria desistir e que tive inúmeras ajudas para estar aqui agora.
      Hoje vejo que todo dependente em tratamento tem uma missão: levar a mensagem para um adicto que sofre, isto é, colocar em prática o 12º passo de NA. Se eu me isolar e esconder meu problema, ele poderá crescer novamente na escuridão e me possuir; se eu expô-lo, ganharei forças para cada vez mais me impor a ele. Estes fatores contribuiram para que que eu saisse da posição cômoda de me ocultar e me mostre como sou.
      Nesta semana, um aluno veio conversar comigo a este respeito. Ele disse que quando viu minha cara na televisão, assumindo minha dependência, pensou que eu tinha enlouquecido de vez. Mas depois ele entendeu que com aquele gesto eu estava ajudando, com o exemplo, a outros dependentes e elogiou minha atitude e coragem.
      Sinceramente, não tive medo de sofrer preconceito ao assumir publicamente a condição de dependente químico. Entreguei a Deus. Por que me envergonhar, já que desta vez estava fazendo a coisa certa? Já tive este medo antes, agora não. Aproveito a ocasião para agradecer publicamente a minha esposa, pois ela foi uma das pessoas que mais me encorajou neste sentido. Tenho recebido muitas palavras de força e de admiração por onde tenho passado. Como disse um colega professor, "não se preocupe, pois quem não falava contigo antes vai continuar sem falar e quem falava contigo dificilmente deixará de falar, mas ambos vão admirá-lo pela coragem." Ele estava com razão. Hoje, ajudar quem precisa é uma razão  para viver. Isto falo sem hipocrisia ou sem querer ser o santinho, pois ao ajudar o outro, estou me ajudando -  falo o que preciso ouvir e isto me dá forças para fazer o que tem que ser feito.

terça-feira, 28 de junho de 2011

Uma leve tristeza

     Estes dois dias tenho andado um pouco triste, meio na minha. Isto, há alguns anos poderia até me preocupar; hoje, nem tanto. Me recordo que mergulhava dentro de minha autopiedade e, na minha mente adicta, culpava a tudo e todos pelo meu estado emocional. Agora, percebo com mais naturalidade a alternância dos estados emocionais. Antes, em épocas como esta, mergulhava no trabalho como fuga de meus sentimentos. Claro que isto não dava certo, daí eu logo logo optar por outra coisa. Hoje, percebendo minhas limitações e o que é e não é sugerido para minha vida, volto-me para trabalhar minha espiritualidade, meu equilíbrio e buscar o carinho e aconchego da minha família.
     Pensava nestes dias que há muitas coisas que não conseguirei mudar. Aos poucos, vou me cansando de querer "dar murro em ponta de faca" e vou percebendo e aceitando tudo de forma mais espontânea: minhas limitações e fraquezas, antes vistas por mim como coisas a serem corrigidas, passam a serem respeitadas. Não pretendo ir além deles. A busca pela perfeição fez com que criasse, sem perceber, uma imagem de homem feliz e bem sucedido, mas só a imagem, pois minha vida se desmoronava em todos os sentidos. Agora, ao mostrar-me realmente como sou, com limitações, problemas, virtudes e defeitos, consigo estar mais sólido em todos os campos de minha vida.
     Percebo, assim, com maior clareza e discernimento, as consequências de minha adicção. Já começo a lidar com maior espontaneidade coisas que não conseguirei mudar. A indiferença ou desconfiança de alguns é um destes aspectos. Não posso mudar as pessoas, apenas a mim.  É com isto que hoje me importo, não com o que pensam ou sentem por mim. Só por hoje quero fazer as coisas por mim da melhor maneira. Aceitar a vida, as pessoas e as situções como elas são. 
     Em meio à sensação de tristeza, surge uma sensação de leveza que me faz pairar além disto tudo.

segunda-feira, 27 de junho de 2011

Matérias Jornalísticas em torno da Dependência Química & Caminhada contras as Drogas


     Aqui vão as matérias sobre Dependência Química e a Caminhada contra as drogas realizada ontem. Há muitas estórias de superação e de sofrimento mostando, invariavelmente, que é possível uma vida sem drogas.
     As matérias publicadas hoje ainda não estão disponíveis on-line até o momento desta postagem. Assim que tiverem, colocarei aqui o link aqui mesmo neste post.

Matérias publicadas em 26/06/2011:
Panfletagem chama para caminhada
Um minuto pela vida
Atuação da Fazenda da Paz se confunde com histórias de superação

Boa Leitura

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domingo, 26 de junho de 2011

Caminhada pela Vida


     Há pouco cheguei em casa da Caminhada com meu filho Lucas. Minha filha ficou dormindo, exausta de ontem à noite. Ao chegarmos, ela me perguntou porquê não a acordei para que ela fosse. Achei melhor deixá-la descançando. Como fo bonita sua apresentação ontem.
     Hoje,Teresina parou para dizer não às drogas. Mães, filhos, esposas, pais e tantas outras pessoas estavam lá. A Caminhada foi um sucesso. Era um ambiente onde famílias inteiras estavam lá, com muita alegria, esperança e fé, principalmente por conta das famílias dos internos que ainda estão em tratamento.
     Tive muitas alegrias ao rever várias pessoas, muitas das quais compartilhei, ainda internado, expectativas, ansiedades, medos, sonhos e inseguranças. Vibrei com notícias de alguns, fiquei triste com a recaída de outros e tive fé no futuro.
    No jornal local de hoje, saiu matérias sobre a Caminhada e a panfletagem que fizemos ontem. O jornal on-line ainda não está disponível. Assim que estiver, lanço os links para as matérias.

sábado, 25 de junho de 2011

Vergonha


     Hoje, ainda ao final da manhã, falei com meu irmão e ele me disse que dificilmente iria viajar para ver nossa irmã que mora em uma cidade próxima. Já que minha filha não vai viajar, chamei-a para ir comigo e o Lucas, meu filho, para a Caminhada do Dia Internacional de Combate às Drogas amanhã. Ela me disse que não, pois isto faria com que ela lembrasse de muitas coisas que ela não estava a fim. Fiquei meio desconfiado de sua resposta mas não falei nada. Conversando com minha esposa, à tarde, a este respeito, ela me falou o que eu suspeitava: “Jorge, ela tem vergonha de ter um pai adicto.”


     Essa questão da vergonha já havia percebido antes. Quando, há algumas semanas atrás, disse-lhe que tinha gravado uma vinheta em uma emissora de televisão que está em parceria com a Fazenda da Paz na Campanha contra as drogas, percebi uma tristeza estampada em seu rosto. Na vinheta, exponho minha situação de dependente químico. Fui conversar com ela a esse respeito para preparar-lhe, pois certamente alguém poderia falar-lhe “olhe, eu vi teu pai na televisão, ele...”. Ela me disse que “tá, já costumam me zoar mesmo.” Disse-lhe que não poderia fugir de minha condição e nem me esquecer do que sou. Ela chorou, pediu que eu parasse com aquela conversa.


     Realmente, ela tem vergonha de minha condição de dependente químico. Quando estava em tratamento, ela falou do que ocorria apenas para duas pessoas na escola, se não me engano para uma professora e uma colega sua. Ficava constrangida porque não sabia ao certo o que responder a indagações do tipo “cadê teu pai?” Estas são as famosas consequências de meu passado. Sei que nada do que eu fizer poderá mudar isto a curto ou médio prazo; que tenho que ter calma, paciência e aguardar que Deus e o tempo, juntamente com minhas ações, consigam restaurar a menina fantástica que tenho orgulho de dizer que é minha filha.
     Hoje é a festa junina em sua escola. Estaremos todos lá e eu, mais do que nunca, sendo o primeiro a bater-lhe palmas.

Na Panfletagem

     Foi muito bom hoje pela manhã. Estava lá com meu filho Lucas, de 4 anos, e ele entregou vários panfletos. Interessante como as pessoas se abrem no que há de melhor para uma criança. O sorriso no rosto delas era algo que logo se estampava quando ele ia entregar panfletos ao meu lado. Não é bancando o pai coruja não, mas ele foi a sensação. E como ele se divertiu. Seu sorriso era contagiante.
     É muito gratificante envolvê-lo com questões de ordem social, mesmo que ele ainda não tenha consciência.
Amanhã estaremos na caminhada.

sexta-feira, 24 de junho de 2011

Panfletagem

Amanhã, internos, voluntários e colaboradores da Fazenda da Paz estarão fazendo uma panfletagem sobre a Caminhada do dia 26 agora. O lema deste ano é “Esqueça o crack, lembre de você.”
É a terceira panfletagem da qual participarei. Acho  muito positiva a abordagem neste ano. Ela mostra que há possibilidades de uma vida sem drogas; de que devemos nos voltar para nós mesmos, resgatarmos nossa dignidade, nosso amor próprio, nossa fé e a esperança de achar, só por hoje, que ficaremos limpos pelo resto de nossas vidas.
Esquecer o crack não é apenas deixá-lo de lado, mas deixar toda uma vida de fracasso para trás, todas as mágoas e sofrimentos; esquecer o crack é ter fé em um novo futuro. Não vou dizer aqui que a reinserção seja algo fácil, pois estaria mentindo mas, com todas as suas dificuldades, é bem melhor do que a vida de angústias, medo, cadeia e morte que as drogas promovem, porque, ao final das contas, a sensação de prazer logo se esvai e fica o vazio e a certeza de dias ruins.
Hoje pela manhã, fui com meu filho ao escritório da Fazenda da Paz. Fomos lá para pegarmos uma camiseta da campanha para ele. Claro que a menor ainda ficou grande. Domingo agora estaremos nós dois na caminhada. Minha esposa terá viajado para o Rio e minha filha irá, pela manhã, com meu irmão, visitar minha irmã que mora em outra cidade. De modos que domingo faremos um programa pai e filho bem especial. Como ele vibrou com a camiseta. Esperemos até o domingo.

quinta-feira, 23 de junho de 2011

Autorecuperação

     Talvez já tenhamos começado a perceber que há defeitos de caráter que estão fora de nosso controle. Bem dentro de nós há uma sensação de imperfeição que nos faz lembrar constantemente da nossa humanidade. Temos a esperança de que chegará o momento em que a nossa conduta estará sob controle e seremos capazes de manter a sobriedade. Mas, enquanto estivermos neste corpo mortal, temos que lutar contra a nossa natureza pecaminosa
     Paulo falou a respeito de si mesmo: "Pois eu sei que aquilo que é bom não vive em mim, isto é, na minha natureza humana. Porque, mesmo tendo dentro de mim a vontade de fazer o bem, eu não consigo fazê-lo. Mas vejo uma lei diferente agindo naquilo que faço, uma lei que luta contra aquela que a minha mente aprova. Ela me torna prisioneiro da lei do pecado que age no meu corpo." (Romanos 7. 18,23) O rei Davi descreveu a ternura de Deus por nós por causa da nossa condição humana: "Como uma pai trata com bondade os seus filhos, assim o SENHOR é bondoso para aueles que o temem. Pois Ele sabe como somos feitos; lembra que somos pó." (Salmo 103. 13-14)
     Não importa o quanto possamos progredir, a nossa natureza pecaminosa sempre será suscetível à sedução de nossa adicção. Não podemos nunca esquecer isto ou baixar a nossa guarda. Manter a sobriedade é algo que necessitamos cuidar pelo resto da nossa vida, um dia de cada vez. Mas também temos motivos de grande esperança. Quando confiamos em Deus e reconhecemos a nossa impotência diante do poder do pecado [da adicção], abrimos a nossa vida ao poder tranformador de Deus.

Extraído da Bíblia de Estudo Despertar, pág. 1305.

quarta-feira, 22 de junho de 2011

II Semana de Prevenção às Drogas leva programação a diferentes zonas de Teresina

     A questão das drogas é algo que nfelizmente está disseminada em todos os setores sociais. Não seleciona rico ou pobre, analfabeto ou letrado, ou qualquer outra distinção. Estamos vivendo um dos momentos mais críticos a este respeito, pois na maior parte dos casos, ela vem associada à marginalização e violência.
     Ninguém hoje se sente mais seguro ao transitar pelas ruas. O medo está imperando. É preciso que ponhamos um basta. As coisas infelizmente só chegaram a este ponto porque permitimos. A cultura do "não é comigo", isto é, da indiferença e do descaso, contribuiu de forma significativa para que as drogas tomassem conta de nossa sociedade. Somos reféns de nosso medo. Isto não pode continuar.
     Precisamos caminharmos juntos não apenas dia 26 agora, mas todos os dias do ano. Temos que vencer o medo e a vergonha. Nossa reinvindicação é justa, é pela vida. saiamos de nossas casas, de nossos casulos de medo e vergonha para dizermos que não aceitamos mais as drogas em nossas vidas, que não mais queremos ser escravos do medo. Um não à droga é um sim pela vida.

Leia abaixo a matéria sobre a Semana de Prevenção às Drogas em  Teresina


Aberta no ultimo dia 20, a programação da II Semana de Prevenção às Drogas já se estende por todas as zonas de Teresina, como aconteceu nesta terça-feira (21), aonde ocorreram atividades nas Zonas Sul, Sudeste, Leste e Norte de Teresina.

Pela manhã, ocorreu um bate papo super animado na Vila Irmã Irmã Dulce, zona sul da capital. O evento aconteceu no de Centro de Juventude Santa Cabrini, e reuniu centenas de jovens e crianças na discussão sobre drogas, através do Projeto Língua Solta.

Idealizado e coordenado pela jornalista Maia Veloso, o bate-papo é pautado na conversação entre mediadores e juventude, alertando para os riscos e conseqüências que as drogas trazem. Na oportunidade, a discussão teve como foco a vida de pessoas que passaram por uma vida de vícios.

Paralela a atividade da Vila Irmã Dulce, durante todo o dia, foi montado um estande na Paróquia da Vila Operária, aonde a equipe da SEMJUV através de um painel ilustrativo, deu mais informações sobre drogas e suas conseqüência. Numa parceria com a Fazenda da Paz, foram dados depoimentos por dependentes químicos em tratamento durante as homilias das novenas realizadas pela paróquia. A iniciativa comoveu as centenas de católicos presentes, sensibilizando-os para a causa. "O que mais nos chamou a atenção foi a quantidade de pessoas que nos procuravam, nos intervalos da novena, para buscar ajuda e informações, a grande maioria, por envolvimento de parentes e amigos com o crack", ressaltou a secretária municipal da juventude, Erinalda Feitosa.

Já no turno da tarde, foi a vez da Zona Sudeste e Zona Leste participarem das atividades. Para isso, a Fazenda da Paz, em parceria com a SEMJUV, apresentou uma peça no CRAS IV, da Usina Santana. A encenação foi feita por cerca de dez dependentes químicos em tratamento, e contou a história de uma família em conflito e de um jovem a mercê das más influencias de amigos traficantes. Logo após a peça, foi realizado um bate-papo com os jovens da Fazenda da Paz, instigando a dezenas de perguntas pelos jovens presentes.

Bianca Barbosa, 15 anos, participou da atividade e comentou: "Poder ver o que eles já passaram, nos faz entender como a droga age na vida de uma pessoa. Qualquer jovem inteligente, ainda mais assistindo a esses depoimentos, passaria longe das drogas".

A programação na Zona Leste aconteceu na Universidade Federal do Piauí, no Centro de Ciências Humanas e Letras - CCHL, e mais uma vez, o Projeto Língua Solta deu a sua colaboração. Através dos mediadores Waldilio Siso e Marcondes Brito, os universitários presentes puderam aprender um pouco mais sobre drogas e jovens em situação de tráfico em Teresina.

As atividades da Semana de Prevenção segue até domingo (26), encerrando com caminhada "Um minuto pela Vida", na Avenida Frei Serafim, uma parceira com a Fazenda da Paz.

A II Semana de Prevenção às Drogas é uma realização da Prefeitura de Teresina, através da Secretaria Municipal da Juventude - SEMJUV, e conta com o apoio da Secretaria Municipal de Educação - SEMEC, Superintendência Municipal de Transporte e Transito de Teresina - STRANS, Secretaria Municipal do Trabalho, Cidadania e de Assistência Social - SEMTCAS, HEMOPI, Projeto Canguru, FACIME, Conselho Municipal de Juventude - COMJUV, SETUT, DCE - UFPI, Fazenda da Paz, Polícia Rodoviária Federal, Paróquia São José Operário, Oficina da Vida, Fazenda da Paz e Centro de Juventude Santa Cabrini.

LINK DESTA MATÉRIA

terça-feira, 21 de junho de 2011

Em busca de esperança

      Hoje, na paróquia da Vila Operária (Teresina - PI), em sua novena, foram introduzidos momentos em que a Prefeitura e a Fazenda da Paz fizeram um trabalho de divulgação não apenas da Caminhada do dia 26 agora (dia mundial de combate às drogas) como de conscientização acerca da problemática das drogas.
       Haviam me ligado antes para saber minha disponibilidade de dar um testemunho. Disse que sim e, hoje pela manhã, estava lá com meu filho.
     Claro que muitos que estavam ali naquela igreja tinham parentes e/ou amigos com problemas relacionados às drogas. São pessoas marcadas pelo sofrimento e que buscam a fé de acreditarem que tempos melhores virão. Por isto, não fui para lá falar de dor, medo, incertezas, coisas que, com muita propriedade, eles conhecem bem. Fui falar de esperança, de fé, de amor, pois estes três elementos são capazes de resgatar e reconstruir qualquer vida que seja, por mais sofrível que se apresente. Fui para dizer que não desistissem de seus parentes pois dificilmente estaria ali se não tivesse alguém que acreditasse que eu poderia. No meu caso, muitas pessoas me ajudaram bastante e, acreditando que eu era capaz de superar esta fase, me fizeram acreditar em mim mesmo.
        Ao final, quando saia, uma mãe, discretamente, me chamou para conversar. Disse-me de seu filho que há muito estava imerso no crack e que ela não sabia mais o que fazer; que o pai não falava com ele e queria batê-lo; que as tias o chamavam de ladrão para lá; que ela era a única pessoa que ainda acreditava que ele poderia sair das drogas. Disse-lhe para que continuasse com sua fé, que não perdesse a esperança; falei-lhe do meu caso, que só fui me internar porque não tinha onde ficar e que não queria ficar na rua; falei-lhe do amor, que é um dos sentimentos mais sublimes e que seria com esse amor de mãe que ela poderia iniciar todo o processo de resgate de seu filho, mas deixei claro que qualquer tratamento partiria dele; disse-lhe para que não perdesse a fé.
       A expressão desta mãe vai ficar por muito tempo em minha cabeça. É uma mulher marcada pelo sofrimento e que talvez precisasse desabafar sua dor para alguém e escutar uma esperança qualquer, alguma coisa que lhe dissesse "continue, não desista de seu filho". Pedi a Deus que a ajudasse e saí me lembrando do sofrimento que causei em minha mãe, pois a vi no rosto sofrido e abatido daquela senhora que, embora todos tivesses desistido de lutar, ela estava ali, desafiando o poder destrutivo das drogas com seu amor.

segunda-feira, 20 de junho de 2011

Afinal, estamos aqui...

... por algo bem maior e mais significativo do que pressupomos. Parece um pouco estranho a forma de iniciar este post. É o produto de reflexões que estava tendo hoje à tarde. De um lado, a adicção, o sofrimento e o tratamento me alertaram para isto. Como minha vida era calcada em muitos valores fúteis. Estamos aqui, acredito eu, por um motivo maior, de aperfeiçoamento moral. No entanto não há aperfeiçoamento sem duas coisas: sofrimento e partilha / ajuda.
     Recordo-me de uma mesa redonda sobre drogas em uma escola tradicional que participei há uns 2 meses e, ao final, um pai, visivelmente emocionado com a minha história, veio me parabenizar por estar limpo e batalhando uma recuperação. Agradeci e sai pensando que fazer minha recuperação não é mais que minha obrigação. Não fui justo comigo e nem com ninguém ao usar drogas e ir para o fundo do poço. Portanto, não posso me dar a este erro novamente. Não faço nada a mais que minha obrigação em estar limpo; não faço mais que minha obrigação em ajudar. Explico:
     Ao ajudar o outro, estou me ajudando, pois digo-lhe o que eu preciso ouvir. Mas este negócio tem um perigo. A gente ajuda, se fortalece e aí começa o engano de se achar que está consolidado e que não vai recair. É o início de um processo de recaída. Toda vez que me sinto bem demais, tenho medo. Recuperação não tira férias e a dor e o sofrimento são facilmente esquecidos. Logo vem a insanidade de achar que jamais se cometerá os mesmos erros. Aprendi que o tempo que passei limpo não me garante que estarei eternamente limpo. Só por hoje quero estar bem. O amanhã entrego, junto com minhas vontades e insaniades, a Deus.
     Acabei de voltar de uma reunião de N.A. Foi bom ter ido. Chegei lá na minha, me apresentei e fiquei só olhando, só percebendo as partilhas. Adicção só muda de endereço, é a mesma coisa. Fui só para ouvir que sou um doente, que preciso ficar atento, me vigiar; que minha autosuficiência me levará ao buraco; que a compulsividade é um dos piores sintomas de minha doença; que sou impotente perante às drogas e meus defeitos de caráter.
     Fui para ouvir; fui porque estava me sentindo seguro demais e isto me dá medo. No entanto, acabei por partilhar tudo isto que estou colocando agora e fui, ao final da reunião, para o único lugar que deveria ir: minha casa.
     Só por hoje estou bem e vou dormir sem quaisquer tipo de peso na consciência.

domingo, 19 de junho de 2011

A Benção das Alianças

     Hoje pela manhã foi um momento muito especial na minha vida e da minha esposa. Mas, para se entender este episódio, preciso contar outras coisas antes.
     Quando fui para minha internação na Fazenda da Paz (21/11/2008), lembro-me de ter conversado com ela sobre nossa situação, que sabia da incerteza de nosso casamento, que pouco provavelmente estaríamos juntos e que o futuro estava ainda muito obscuro. Na ocasião, entreguei-lhe minha aliança e disse-lhe que nosso futuro era incerto e, como na Fazenda não permitiam nenhum tipo de joias, deixava minha aliança sobre a mesa e lá ela ficou.

     Minha esposa não consegue se lembrar desta cena. É como se fosse apagada de sua memória.
   Pois bem, desde que retornei do tratamento até bem pouco tempo, estávamos usando alianças improvisadas, ou de tucum, ou de prata. No dia dos namorados, ganhei o melhor presente que poderia ter recebido: ela comprou um par de alianças. Fiquei feliz com isso. Elas vieram de uma outra cidade e fomos lá pegá-las no dia 13, à noite. Minha esposa já havia comentado antes que tinha encomendado as alianças e, mesmo já sabendo o que ia pegar com ela em um apartamento qualquer na noite do dia 13, fiquei emocionado com as alianças que, no dia seguinte, ela se encarregou de gravar nossos nomes, mas faltavam ser abençoadas. Por isto hoje, ao final da missa, chamamos o padre e pedimos que ele fizesse a benção nelas. Ele as pediu, colocou-as em suas mãos, orou sobre elas e nós refizemos nossos votos de casamento ali mesmo, de uma forma simples e bela, na presença de Deus. Saimos alegres dali e eu só pude agradecer a Ele por tanta felicidade nas nossas vidas.
     Relembrando todos estes fatos agora, vejo que isto nada mais é do que reflexo do 3º passo da programação de N.A. - entregarmos nossas vontades e vidas aos cuidados das mãos de Deus. Como Ele está sendo generoso comigo. Hoje, cada vez mais percebo que se me entregar à minhas vontades estarei me entregando a um poder destruidor e cometerei mais uma vez todos os erros e insanidades de outrora. Fico feliz Dele ter e estar restaurando muitas coisas na minha vida.

sábado, 18 de junho de 2011

Meus defeitos de caráter

     Hoje sei que o principal fator que me levou às drogas diz respeito aos meus defeitos de caráter. Poxa, como são muitos. Autossuficiência; arrogância; não saber escutar o outro; não ter humildade para reconhecer os erros; não conseguir peceber o outro enquanto humano e, portanto, com falhas e limitações... A lista é grande e a intenção desta postagem não é enumerar meus defeitos, mas falar um pouco deles e de como eu os tenho trabalhado.
     Não é fácil alguém chegar para você e dizer, na cara, teus defeitos. No entanto, é preciso. Hoje, tenho que me vigiar direto com relação a eles, porque, se não fizer, voltarei novamente para a lama.
     Acredito que a busca do autocontrole está em duas palavras: aceitação e saber ouvir. Não vou dizer que sou ótimo para ouvir o outro ou que aceito tudo rapidamente, mas tenho me esfoçado para isto. Compreendi que nem sempre as coisas saem como eu quero ou no tempo que desejo, mas  tenho que aceitar. Todas as vezes que manipulei as situações para que tudo ocoresse como eu queria, acabei quebrando a cara. Só manipulava porque não tinha aceitação para esperar. Com muita paciência e perseverança é que se consegue prosperar na sobriedade. A impulsividade só me levou para o buraco. Ainda tenho muito que melhorar neste aspecto, mas estou bem melhor que antes.
     Meu orgulho é outra coisa terrível. A humildade é a chave para todas as portas, especialmente a minha. Me fechar em meu orgulho é achar que não preciso de ninguém, que não preciso rever meus posicionamentos e pedir desculpas. Enfim, é me achar superior aos demais. Somos iguais e eu, por conta de minha dependência, possuo várias limitações. Durante muito tempo sentimentos ruins alimentaram meu orgulho. Sei que já dei passos significativos para acabar com isto, me libertando de alguns ressentimentos e rancores, mas há ainda coisas a serem feitas e estou buscando isto porque preciso.
     A programação de NA sugere que façamos o movimento contrário aos defetos de caráter. É o que tenho buscado. Em muitas ocasiões durante meu dia, me pego pensando na Oração da Serenidade em busca de paciência e aceitação. Tem dado certo. Conheço muitos de nós que voltaram para a adicção ativa por perderem o equilíbrio e a paciência. Vi como alguns instantes de raiva podem fazer com que qualquer um de nós recaia. Se, nestes instantes, não tivermos o controle da situação, ela nos controlará e os resultados podem ser catastróficos.
     Já disse aqui em um outro momento que não quero ser santo ou o melhor, mas fazer do meu dia o melhor possível. Quando olho para o futuro vejo que existe a possibilidade de ser feliz e ela começa no hoje, à medida que me aceito e aceito as pessoas como são; à proporção que procuro viver a programação e entregar minha vida aos cuidados de Deus. Tenho muitos planos, mas o maior deles é poder dormir hoje da mesma forma que acordei: limpo e sóbrio.

Um pouco de tudo (continuação)

     Não estava percebendo a real dimensão de meu problema. Substituía a droga pelo trabalho, pela família ou qualquer outra coisa. Não assumia que tinha problemas e limitações, que não poderia usar drogas e nem tampouco achava que precisava de ajuda. Minha autosufuciência e meu orgulho estavam me matando, pois me impediam de assumir para mim que era um dependente e que precisava me tratar.
     Quando passei para a cocaína há uns 6 anos, achava que consegueria ter controle. Ora, se eu podia "disfarçar", por que não poderia controlar? No começo desta fase, era muita empolgação, mas o pior estava sendo construido e eu não percebia que cavava meu poço. Aos poucos veio a fase negra, como a depressão, a vontade de me matar, as crises de choro (várias vezes chorava só, não querendo usar, mas acabava usando). Me recordo de uma vez que o impulso para me matar foi tão forte (estava só / minha esposa e filhos estavam viajando) que tomei vários comprimidos de dramin para apagar e não fazer nenhuma besteira. Estava transtornado, ouvindo vozes, olhando pelas frestas da porta achando que alguém estava me procurando, tendo algumas alucinações. Por esta época, meu consumo era exorbitante e financeiramente estava um caos. Embora não saísse com nada de casa para vender ou empenhar no traficante, meu salário todo e mais os extras e empréstimos eram aspirados diariamente. Passava de três dias sem dormir, me isolando, me idiotizando (não conseguia falar coisa com coisa).
     Sinceramente, ao recodar um pouco deste período, não consigo encontrar nada de proveitoso. Estava completamente destruído. Olhava-me no espelho e não sabia quem era. Me drogava contra minha própria vontade. Hoje entendo quando dizem que a droga tira a capacidade de discernimento e o poder de decisão do usuário. Não conseguia ver ou não queria ver onde tinha me afundado e o que estava acontecendo comigo. Drogas, mentiras, ilusões e um grande vazio. Eis o que minha vida tinha se tornado. Era apenas um morto vivo perambulando.
     Durante vários meses quando estava internado, ficava me perguntando por que fiz isto comigo. O que estava procurando que valesse este preço? Entendi que muitos problemas relacionados à não aceitação de algumas realdades minha geraram uma revolta que  se voltou contra mim de uma forma autodestrutiva e de fuga. A princípio, quando dos meus 14 a 16 anos, pensava que a droga tinha sido  uma necessidade de autoafirmação, de ser aceito em um grupo. Nada disso: foi uma fuga desesperada de questões familiares e, por conseguinte, de quem eu era e do que tudo isto representava. Foi uma tentativa de destruir o que me afligia, nem que para isto tivesse que me destruir.
     Já havia falado em outro post sobre o perdão, que tive que me perdoar inicialmente por tantas coisas que fiz para começar a buscar uma espécie de equilíbrio e de serenidade. Ainda há, claro, várias questões internas para serem resolvidas, mas consegui perceber que o caminho a ser tomado não é a autodestruição, mas o equilíbrio, a sensatez e a serenidade.  Só por hoje, me entrego a um Poder Superior e peço que ele cuide de mim. Por que não? Já que entreguei minha vida a um sentimento e um poder destruidor, por que não agora substituir isso por um poder restaurador, pela serenidade, equilíbrio e amo próprio? Só por hoje quero me olhar no espelho e saber quem sou e, principalmente, me aceitar, não ter vergonha de mim e do que estou fazendo.

quinta-feira, 16 de junho de 2011

Um pouco de tudo

     Vou falar um pouco de mim e, neste processo, vários fatores podem contribuir para que eu entenda melhor este processo de como eu entrei nas drogas e como se deu minha adicção.
     Fui uma criança e um jovem de classe média. Aperentemente tive tudo o que precisava no campo material, mas percebi, no início da minha juventude, um problema terrível na minha casa: a falta de diálogo.
     Na minha cabeça de 14 anos, criara-se um muro intransponível entre eu e meus pais. Era o filho mais velho. Meu irmão tinha apenas 9 anos. Enfim, não tinha com quem conversar.
     Estudava em um colégio de orientação religiosa. Na época, tinha poucos amigos e a autoestima baixa. Financeiramente estávamos vivendo momentos difíceis.
     Por esta época, andava de skate e, por meio de alguns da turma, fui apresentado às bebidas, ao cigarro e ao loló. Logo falei para minha mãe que estava fumando. Ela, na ocasião, me disse que tinha mais o que fazer ao invés de me vigiar e, como fumante, sabia que o cigarro era ruim e não me aconselhava. Só.
     Aos poucos fui aprendendo a malandragem das ruas. Algumas brigas de turma, época dos cavalos de pau, bebedeiras que varavam pelo menos dois dias e assim foi indo Aos poucos perdia o controle e nem me dava conta. Tolamente, achava que isto era autoafirmação. Aos quinze anos, deixei-me reprovar no 1º ano do ensino médio. Fui expulso da escola ao final do período letivo.
     Embora tivesse grande facilidade em aprender as coisas, não me esforçava para tanto. A maconha chegou quando tinha uns 16 anos. Associava a maconha a uma atitude meio hippie de ser. Lemas desgastados e tolos do tipo "sexo, drogas e rock roll" marcaram minha cabeça. Meus ídolos eram todos adictos e que tinham morrido quase sempre de uma overdose, como Jim Morrison e Janis Joplin.
      Tolamente, me deixei levar por ilusãoes, banalidades.
    Perdi algumas namoradas por causa das drogas. Sempre tentava conciliar o que esperava ser uma "vida normal" com drogas. Que nada. As mulheres que perdi, hoje percebo, acabaram me vendo, por conta das drogas e bebedeiras, como um perdedor, um sem futuro. Quem quer namorar um sem futuro? Mas eu não conseguia ver isto, que para mim hoje é tão óbvio.
     Aos 17 para 18 anos, veio o primeiro contato com a cocaína. Sinceramente, não senti lá essas coisas e continuei mesmo na maconha e bebidas.
     Vez ou outra me via obrigado a parar com esta vida não por mim, mas por situações e/ou pessoas. Quase sempre namoradas. Me lembro que quando comecei a namorar com minha esposa, ela colocou que namoro com drogas não dava. Tinha acabado de sair de um namoro que o namorado colocou que entre ela e a maconha, ele ficaria com a maconha. 
    Parei, por um tempo, não por mim, mas apenas para manter o namoro. Claro que a mentira de ter parado vinha à tona vez ou outra e eu, que já era um adicto e não sabia, fazia juras e juras que no íntimo sabia que não conseguiria cumprir.
     Não conseguia me manter limpo de forma consistente e duradoura. Isto me desesperava. Ao retirar as drogas, ficava um vazio enorme que eu substituia quer por trabalho, quer por estudo. Várias coisas da minha vida foram ficando de lado. Já tinha saído de casa e precisava me virar. Recebi muita ajuda de minha esposa (na época namorada) e sua família. Trabalhava manhã, tarde, noite e fins de semana. Estava iniciando em minha profissão e precisava estar consolidado. Mas, em meio a tudo isto, vez ou outra, a droga. Lembro que nesta época, eu e um conhecido, fizemos uma farra de cocaína por vários dias e, em uma noite, só, quase tive uma overdose. Foi por pouco. Nesta hora pedi a Deus que não morresse, pois mudaria de vida. Mentiras e ilusões.
     Perdi o interesse pelo meu curso superior e o deixei de lado por mais de dois anos. Perdi-o, retomei-o, perdi-o novamente. Tinha uma grande facilidade em ganhar dinheiro e mais ainda para mandá-lo para o espaço. Minha vida não tinha controle, não tinha consistência.
      No início de meu casamento, substitui as drogas por muito trabalho, mas ela vez ou outra aparecia. Por esta época, deixei a maconha de lado pela visibilidade que dava quando eu a usava. Iniciou-se a época dos comprimidos.
     Minha esposa encontrou, casualmente, algumas cartelas de comprimidos vazias. A princípio, consegui despistar, mas a mentira não perdurou muito. Mais uma vez mentiras e ilusões criadas. Apenas ilusões.

(Continua posteriormente)

quarta-feira, 15 de junho de 2011

Um poema

Minha esposa me mostrou um poema que achei bastante interessante. Não sei se seu autor é um adicto, mas o texto aborda bem questões como recuperação e reparações. Aqui vai o texto:

CIDADANIA

Não podemos fugir das culpas de ontem,
Mesmo sejamos hoje outra pessoa;
Toda falha do ontem que nos apontem,
Se feitas, em nós, no presente, ecoa.

Não podemos fazer do acerto a ponte,
Nem da mudança a rápida canoa,
Que nos livrem pagar a água da fonte
Das leis vigente que a Justiça côa.

Devemos assumir nossos erros;
Negá-los é remar contra a corrente,
É dar para honradez doloso enterro.

Se fomos totalmente conscientes
E assumirmos sem medo os nossos erros,
Seremos, com certeza, homens decentes.

Humberto Feitosa

terça-feira, 14 de junho de 2011

Um artigo e um abraço


     Inicialmente quero pedir desculpas por demorar tanto a postar no blog. Há tanto para escrever e o tempo está meio curto por conta do meu trabalho.

     Domingo agora, 12/06/2011, saiu uma matéria em um jornal sobre dependência química e este blog (Tem o link da matéria no final do post). Fiquei muito feliz com isto. Desde quando resolvi fazer este blog, decidi me expor e não ter medo de uma possível recriminação e/ou preconceito por conta de minha dependência química. Isto fez que também expusese meu rosto em uma campanha televisiva acerca do dia mundial de combate às drogas, próximo dia 26, que, aqui em Teresina, há uma grande caminhada nesta ocasião.

     Quando terminei minha aula hoje em uma turma de 3º ano, um casal ficou na sala e ela me perguntou emocionada se poderia me dar um abraço. Sem entender o motivo, disse que sim. Após o abraço, ela me falou que tinha visto a matéria e ficou admirada, pois não imaginava que eu tinha passado por este problema. Disse a eles que passei por momentos muito ruins, que tinha feito meu tratamento e que havia retomado minha vida. Ela me falou de sua emoção e comentou que meu exemplo mostrava que havia a possibilidade de recuperação após as drogas. Fiquei bastante sensibilizado com estas e outras palavras que eles me disseram. Saí da sala com uma alegria simples e bela, que é impossível ser descrita ou mensurada aqui neste post.

     "A verdade liberta."  Esta frase tem sido repetida na minha vida inúmeras vezes e quem me chamou a atenção dela após eu sair de tratamento foi minha esposa, a quem devo muito pelo apoio que me tem dado. A conversa que tive hoje com estes alunos não foi apenas a comprovação desta máxima, mas me confirmou que a melhor forma que eu tenho em ajudar os outros não está apenas nas palavras, mas essencialmente no exemplo.

Link da matéria: Jornal Meio Norte, Caderno Teresina, pág. B|8 / 12/06/2011

segunda-feira, 6 de junho de 2011

(Des)trocando tudo por nada


     Não quero falar aqui de minha adicção ativa, do que e quanto consumi. A estória de qualquer adicto é a mesma: sofrimento. Fiz insanidades da mesma natureza de qualquer um e coisas que me arrependo. Não sou melhor nem pior que ninguém: somos iguais e precisamos estar limpos só por hoje. Quero falar da esperança.
     Demorou para entender que havia, por anos a fio, jogado minha vida fora. Quando iniciei meu tratamento, percebi que meus valores estavam completamente deturpados. Chorei muito ao ter consciência de tudo o que fiz e de minha impotência perante às drogas e aos meus defeitos de caráter. O sentimento de culpa, remorso e tantos outros se misturavam aqui dentro. Como olhar para minha filha de oito anos e dizer que destrui seu porto seguro, sua família? Como olhar para as pessoas e dizer-lhes que tudo era uma farsa? E a mim? Foi difícil me perdoar e entender que não apenas tinha uma doença mas que a cura estava aqui dentro. Uma cura difícil, feito dia após dia, sem garantias de que ela seria contínua por toda minha vida.
     Após entender e aceitar tudo isso, fui resgatar meu amor próprio, minha autoestima, minha fé. Pulei no escuro, na incerteza, mas sabia que a vida sem drogas jamais poderia ser pior do que com drogas.
     Não vou dizer que foi fácil, que eu busquei inicialmente o tratamento. Fui para uma internação porque era minha única opção. Fui por não ter escolha. Ainda achava que poderia retomar minha vida aqui fora normalmente (quanta insanidade).
     Na primeira visita, muita emoção. Ainda estava desnorteado. Na segunda,  minha esposa pediu o divórcio. Me lembro que disse "tudo bem", que não poderia forçar alguém a ficar comigo. Ao final desta visita, fui para o meu quarto e fiquei equacionando as coisas em minha vida:  estava com minha vida profissional incerta, pois não sabia como seria meu retorno: duas das escolas que trabalhava não apenas sabiam do meu problema e de que estava fazendo tratamento como se dispuseram a me reintegrar novamente; meus filhos ainda sofriam muito e estavam meio distantes; meu casamento estava terminado; meus pais e meus irmãos, embora torcessem por mim, não tinham muito o que fazer, só eu.
     Muitos sentimentos ruins tomaram conta de mim. Chorei, me desesperei, tive vontade de desistir, achava que não conseguiria dar a volta por cima. Várias pessoas foram fantásticas e me ajudaram bastante a estar aqui hoje, dizendo que mesmo quando estamos no fundo do poço, basta olharmos para cima e veremos Deus, prontos para nos ajudar. Reaprendi a ter fé, a buscar forças quando achava que não as tinha, a ser radical em meu amor próprio, a não ter meio termo em recuperação, a acreditar que poderia ter minha vida novamente.
     Foi aí que muita coisa aconteceu: na minha visita aqui após oito meses de internação (uma semana e, após, o retorno para concluir o tratamento), Deus restaurou tudo em minha vida. Minha fé, meu amor próprio me foram devolvidos; fui às escolas que trabalhava e elas me disseram que estavam de portas abertas, esperando que eu terminasse meu tratamento; passei uma semana com meus filhos na casa de minha mãe, minha família me acolheu de forma excepcional e meu casamento foi restituído.
     Se eu disser que reconquistei tudo novamente estaria mentindo. Deus me tirou da sarjeta e recolheu com carinho tudo o que eu jogara fora. É como se ele dissesse "vês, o que precisa mais?". Me senti Jó.
Ao retornar para a Fazenda da Paz a fim de concluir meu tratamento, fui radical. Foi aí que entendi que não havia mais sentido naquela vida vazia que tinha. Era trocar tudo por nada, tudo o que era de mais valioso por nada, apenas alguns minutos de prazer e, este prazer era apenas inicial, pois no fim, não havia mais nenhum prazer, apenas sofrimento.
     Hoje, após pouco mais de dois anos e meio limpo, estou em um bom momento. Aprendi, a duras penas, que sobriedade não é apenas "estar limpo", mas ter equilíbio nas ações, posturas e sentimentos. Entendi que o perdão tem que partir inicialmente de mim para mim e que ser honesto é fundamental. Reconheci que quando minto para alguém, estou mentindo é para mim mesmo. Não quero ser "santo" ou o melhor, mas quero fazer o dia de hoje melhor do que ontem e, só por hoje, acreditar que estarei bem e limpo pelo resto de minha vida, apenas por hoje.

quinta-feira, 2 de junho de 2011

Apenas relembrando

      Toda sexta-feira tenho um encontro comigo mesmo que me fotalece e me faz bem. Explico: na sexta, pela tarde, faço uma ação voluntária na Fazenda da Paz, onde fiz meu tratamento. Vou ajudar, no escritório da instituição, na reunião de preparação de internação dos dependentes químicos. Isto me faz um bem por vários motivos, não apenas porque falo o que preciso ouvir como também me recordo que também cheguei ali naquela situação, desacreditado e destruído.
      Vejo que alguns estão lá por qualquer outra coisa, menos porque precisam se recuperar. Se eu disser aqui que a "minha ficha caiu" de imediato estarei mentindo. Demorou algum tempo. Na verdade, meu tratamento começou quando eu admiti que não dava mais. Isto se deu com aproximadamente dois meses. Não foi fácil a caminhada. Teve momentos que tive vontade de desistir e precisei de muito apoio nestes instantes para prosseguir. Sozinho, jamais conseguiria. Deus foi colocando as pessoas certas no meu caminho para que elas me mostrassem a esperança. Precisou que eu enxergasse o sofrimento que minha adicção provocou e provocava naquele momento em mim e na minha família para eu perceber que tinha que tomar uma atitude radical: ou afundar de vez ou dar um basta neste sofrimento. Optei pela segunda porque não aguentava mais sofrer. Cada qual tem seu "fundo de poço". Para alguns, morar na rua, roubar, matar, mendigar. Não cheguei a tanto, mas sei que este seria meu fim: manicômio, cadeia ou cemitério. Não há outra possibilidade. Acabei de vez com a ilusão de que é possível levar uma vida normal com drogas. O desejo de liberdade falou mais alto. Graças a Deus, vi que minha vida era / é valiosa demais para simplesmete terminar na lama. Senti que havia um propósito maior e me agarei nisto e na fé que Deus poderia me restaurar, bastava que eu me permitisse mudar de vida, que me permitisse ser feliz.
      

quarta-feira, 1 de junho de 2011

Final do dia

      Hoje foi um dia extremamente cansativo. Já são 22:40h e ainda não terminei tudo o que tinha que fazer por hoje. Estou cansado e vou dormir. Amanhã continuo.
      Mesmo não tendo feito o que precisava, vou dormir tranquilo. A consciência está leve: não enganei a mim nem a ninguém; não fiz algo do qual pudesse envergonhar Deus, a mim ou outra pessoa. Vivi hoje minha recuperação e não me deixei levar pelos meus defeitos de caráter, minhas manipulações ou meu egocentrismo e autossuficiência. Mais um dia foi vencido e devo isto especialmente a Deus.
      Estou agora ao lado de meus filhos. Eles estão dormindo (quando minha esposa viaja a trabalho eles vêm dormir comigo). Embora os ame, não faço minha recuperação por eles, mas por mim. Esse negócio de recuperação é egoísta mesmo. Eu é que sou o adicto aqui, não eles. Ou faço por mim, ou recaio. Assim, acabo, indiretamente, fazendo por eles e por todos que torcem por mim.
      Ainda há várias sequelas e situações para serem superadas. Não há propriamente um final feliz para quem entra neste mundo, mas há a possibilidade de se ter uma vida melhor do que se tinha quando da adicção ativa. A vida é pra valer e é só uma vez. Tenho que encarar as consequencias de meus atos e isto passa por várias questões que nem sempre torna o processo fácil. Por isso, entrego meus problemas e situações que não consigo resolver nas mãos de Deus. Deixo que Ele atue na minha vida e me guie no melhor caminho.
      O sono chega. Vou dormir com a certeza de mais um dia conquistado.
      Só por hoje funciona.