sábado, 18 de junho de 2011

Um pouco de tudo (continuação)

     Não estava percebendo a real dimensão de meu problema. Substituía a droga pelo trabalho, pela família ou qualquer outra coisa. Não assumia que tinha problemas e limitações, que não poderia usar drogas e nem tampouco achava que precisava de ajuda. Minha autosufuciência e meu orgulho estavam me matando, pois me impediam de assumir para mim que era um dependente e que precisava me tratar.
     Quando passei para a cocaína há uns 6 anos, achava que consegueria ter controle. Ora, se eu podia "disfarçar", por que não poderia controlar? No começo desta fase, era muita empolgação, mas o pior estava sendo construido e eu não percebia que cavava meu poço. Aos poucos veio a fase negra, como a depressão, a vontade de me matar, as crises de choro (várias vezes chorava só, não querendo usar, mas acabava usando). Me recordo de uma vez que o impulso para me matar foi tão forte (estava só / minha esposa e filhos estavam viajando) que tomei vários comprimidos de dramin para apagar e não fazer nenhuma besteira. Estava transtornado, ouvindo vozes, olhando pelas frestas da porta achando que alguém estava me procurando, tendo algumas alucinações. Por esta época, meu consumo era exorbitante e financeiramente estava um caos. Embora não saísse com nada de casa para vender ou empenhar no traficante, meu salário todo e mais os extras e empréstimos eram aspirados diariamente. Passava de três dias sem dormir, me isolando, me idiotizando (não conseguia falar coisa com coisa).
     Sinceramente, ao recodar um pouco deste período, não consigo encontrar nada de proveitoso. Estava completamente destruído. Olhava-me no espelho e não sabia quem era. Me drogava contra minha própria vontade. Hoje entendo quando dizem que a droga tira a capacidade de discernimento e o poder de decisão do usuário. Não conseguia ver ou não queria ver onde tinha me afundado e o que estava acontecendo comigo. Drogas, mentiras, ilusões e um grande vazio. Eis o que minha vida tinha se tornado. Era apenas um morto vivo perambulando.
     Durante vários meses quando estava internado, ficava me perguntando por que fiz isto comigo. O que estava procurando que valesse este preço? Entendi que muitos problemas relacionados à não aceitação de algumas realdades minha geraram uma revolta que  se voltou contra mim de uma forma autodestrutiva e de fuga. A princípio, quando dos meus 14 a 16 anos, pensava que a droga tinha sido  uma necessidade de autoafirmação, de ser aceito em um grupo. Nada disso: foi uma fuga desesperada de questões familiares e, por conseguinte, de quem eu era e do que tudo isto representava. Foi uma tentativa de destruir o que me afligia, nem que para isto tivesse que me destruir.
     Já havia falado em outro post sobre o perdão, que tive que me perdoar inicialmente por tantas coisas que fiz para começar a buscar uma espécie de equilíbrio e de serenidade. Ainda há, claro, várias questões internas para serem resolvidas, mas consegui perceber que o caminho a ser tomado não é a autodestruição, mas o equilíbrio, a sensatez e a serenidade.  Só por hoje, me entrego a um Poder Superior e peço que ele cuide de mim. Por que não? Já que entreguei minha vida a um sentimento e um poder destruidor, por que não agora substituir isso por um poder restaurador, pela serenidade, equilíbrio e amo próprio? Só por hoje quero me olhar no espelho e saber quem sou e, principalmente, me aceitar, não ter vergonha de mim e do que estou fazendo.

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